Uma reflexão sobre a prática clínica baseada em evidência científica

Uma reflexão sobre a prática clínica baseada em evidência científica

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Evidência científica: em editorial, Maristela Lobo reflete sobre a essência do cuidado responsável e sua sobreposição à venda de produtos e protocolos. 

A prática clínica baseada em evidências surgiu como um movimento para o uso criterioso de resultados de pesquisas científicas na tomada de decisões em todas as áreas da Saúde. Em Odontologia, não é sinônimo de receita de bolo, mas sim de uma abordagem na qual o clínico utiliza a melhor evidência científica disponível, em sintonia com a expectativa do paciente, para decidir qual é a melhor alternativa de tratamento.

O principal desafio para o cuidado baseado em evidências é a sua implementação, pois traduzir conhecimento em ação é um processo complexo. Infelizmente, a lacuna entre a pesquisa científica e a prática clínica ainda prevalece.

A constante leitura é a única forma de se adquirir familiaridade com a Ciência e, consequentemente, tomar decisões clínicas baseadas em evidências. Entretanto, nem tudo o que está publicado pode ser classificado como “evidência científica” e é preciso ter critério para selecionar o que possui maior relevância. Os artigos podem variar de opiniões pessoais e editoriais a – no topo da pirâmide de evidência – revisões sistemáticas e metanálises, passando por séries de estudos de casos e ensaios clínicos randomizados. As principais respostas científicas são trazidas pelas metanálises, desde que a literatura avaliada tenha metodologia semelhante, o que é raro em Odontologia.

De fato, o que ocorre é que trabalhamos sob pouca ou nenhuma comprovação científica. Soma-se a isso o fato de que estamos vivendo uma realidade permeada pelo imediatismo das pessoas, pela impaciência para ler estudos com densa linguagem técnica e científica, pela valorização de tendências e modas ditadas por influenciadores digitais, e pelo desejo de ganhar dinheiro de maneira fácil e rápida. Não há solo fértil para o compartilhamento da evidência científica.

Ao que parece, a internet igualou o profissional formado com excelência – mestre, doutor, especialista, dotado de grande experiência clínica e treinado para transmitir conhecimento de qualidade – àquele que tem milhares de seguidores e/ou curtidas (orgânicas e/ou compradas). E também àquele que publica vídeos de autoaplicação para seus seguidores e que ensina “dicas inovadoras” sem a menor fundamentação científica.

Os pacientes, que antes buscavam indicações confiáveis sobre os profissionais de Saúde, agora elegem seus cuidadores por visuais de Instagram e/ou Facebook. Qual o futuro que almejamos com esse contexto esdrúxulo? Continuamos plantando e já estamos colhendo a desvalorização da nossa profissão, o desrespeito de outros profissionais de Saúde e dos próprios pacientes.

Em nossa prática clínica diária, devemos nos concentrar naquilo que nos trouxe até aqui: a vocação para cuidar e promover a saúde dos indivíduos que contratam os nossos serviços, construindo um mundo melhor através das nossas ações parcimoniosas e éticas.

Novos materiais, novas técnicas, novas ferramentas e novas metodologias podem ser incorporados no dia a dia, mas a essência do cuidado responsável se mantém e se sobrepõe à venda de produtos e protocolos. Essa postura é, certamente, mais importante do que qualquer evidência científica já publicada.

Confira todos os editoriais de Maristela Lobo na revista FACE.