Minimizando o risco de perda visual através da anatomia

Minimizando o risco de perda visual através da anatomia

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As intercorrências podem afetar diversas etapas da Harmonização Facial, inclusive a visão. Veja como podemos minimizar os riscos e evitar a perda visual através do estudo da anatomia ocular. 

Muito se fala a respeito do risco de perda visual através da embolização de vasos com materiais preenchedores. Sabe-se que é fundamental o conhecimento apurado das áreas de risco e do produto utilizado, incluindo suas características reológicas e a adequada indicação da área onde pode ser aplicado.

Os eventos adversos relacionados à embolização de vasos ou sua compressão e o grau de perturbação visual estão diretamente relacionados à natureza do preenchedor, como: coesividade, volume injetado, tamanho de partícula e vasos afetados.

Apesar de apresentarem um perfil de segurança satisfatório, os preenchedores de ácido hialurônico podem produzir reações adversas, inclusive cegueira, caso ocorra injeção intravascular. Essa intercorrência não é rotineira nos consultórios, mas quando acontece é devastadora. E este evento pode ocorrer não somente com ácido hialurônico, mas também com gordura e hidroxiapatita de cálcio.

Estudos indicam que esses produtos entram na circulação vascular do olho por meio de injeção intravascular, na qual uma coluna de preenchedor é empurrada pelo êmbolo da seringa contra a pressão sanguínea, podendo envolver a artéria oftálmica e os vasos.

A artéria oftálmica se origina da artéria carótida interna e supre os tecidos faciais através dos ramos terminais (chamados “zonas de perigo”), por meio das anastomoses dos ramos da artéria carótida externa. Normalmente, esses eventos ocorrem com os ramos terminais mais conhecidos da artéria oftálmica – supraorbitais, supratroclear, artéria dorsal nasal – e e com os menos conhecidos – zigomático facial e zigomático temporal –, que surgem da artéria lacrimal. Lembrando ainda da artéria etmoidal anterior, que apresenta ramo terminal cutâneo, e da artéria nasal anterior, que adentra o dorso nasal entre o osso e a cartilagem nasal anterior.

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Pode-se classificar as regiões da face e o risco de complicações visuais da seguinte forma:

– Baixo risco: linha da mandíbula e marionete, bochecha lateral, submalar, pré-auricular e mento;

– Moderado risco: lábios, região perioral e bochecha anterior;

– Alto risco: têmporas, sulcos nasolabiais, depressão infrapalpebral, periorbital e bochecha medial;

– Muito alto risco: glabela, nariz e testa.

Em duas revisões, os autores observaram que a maioria dos casos de cegueira envolvia a região nasal (56,3%), a glabela (27,1%) e a testa (18,8%), corroborando a afirmação de serem as de maior risco na face. Dessa forma, o paciente pode apresentar diversos graus de comprometimento visual, como:

– Obstrução total da artéria oftálmica: tende à perda visual, ptose e oftalmoplegia;

– Oclusão isolada da artéria retiniana central: tende à perda visual;

– Oclusão do ramo da artéria retiniana: pode causar perda visual parcial.

Podem ocorrer combinações de padrões de perda visual, sendo que alguns são mais passíveis de reversão do que outros. No entanto, é imprescindível que o profissional injetor saiba que o ácido hialurônico é o único produto que apresenta características que permitem um alto grau de reversibilidade.

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Ao adquirir a habilitação para se tornar um profissional injetor, é necessário saber que, ao executar tais procedimentos, deve-se registrar todas as características do produto aplicado, como lote, data de validade, volume de reconstituição etc. Sem esquecer de fornecer o termo de livre consentimento ao paciente, informando que há um risco pequeno, porém efetivo, de que preenchimentos cutâneos podem: lesionar os vasos sanguíneos faciais, que na maioria das vezes só produz hematoma; apresentar risco de acidente vascular cerebral, devido à injeção em um vaso; produzir um evento que resulte em perda de pele e tecido, caso o preenchedor entre em um vaso sanguíneo; provocar cegueira se o preenchedor for injetado em um vaso, podendo ser irreversível (esse evento é muito raro, com menos de 0,001% de prevalência).

Se o profissional notar problemas de cegueira ou necrose de tecido no momento do procedimento ou após, é importante que tenha permissão para tomar medidas que dissolvam este material. O paciente deve estar ciente e consentir com esta abordagem antes do procedimento. Ao utilizar produtos para dissolver o ácido hialurônico, como a hialuronidase, é importante realizar teste alérgico e fornecer ao paciente um novo termo de livre consentimento, específico para explicar o produto utilizado e que existe a possibilidade de apresentar alergia.

Alguns autores preconizam a injeção de hialuronidase em altas doses na margem supraorbital, especificamente na região da artéria supratroclear ou incisura supraorbital, forâmen ou outros ramos do sistema arterial oftálmico, dependendo da experiência e do grau de especialidade do profissional. Injeção peribulbar ou retrobulbar só deve ser realizada se o injetor tiver experiência nessa técnica e se sentir confiante no diagnóstico. A injeção retrobulbar ou peribulbar de hialuronidase pode ser arriscada, com uma chance aumentada de hemorragia retrobulbar.

É importante esclarecer que todo profissional tem a obrigação de manter no consultório frascos de hialuronidase para uso imediato em caso de um evento adverso, além de saber reconstituí-la.

Se a perda visual for diagnosticada, o profissional deve encaminhar o paciente o mais rápido possível a um local de atendimento especializado, de preferência um hospital de olhos ou oftalmologista experiente.

Também deve documentar a hora do início do evento vascular e, se possível, durante a remoção do paciente, fazer testes como: avaliar o número de dedos erguidos na frente do olho afetado, detectar o movimento da mão (um olho por vez), avaliar reações pupilares e movimentos dos olhos, avaliar histórico de enxaqueca, fazer avaliação neurológica básica (fala, movimentos de mãos, braços, pernas e nível de consciência) e certificar-se da presença de sinais cutâneos associados à necrose. Também, se possível, fazer vídeo ou tirar fotos, desde que os testes não atrasem a remoção do paciente.

Manobras como massagem sobre os olhos fechados são válidas. Porém, estudos mostram a pouca probabilidade de sucesso em caso de perda visual. Outro ponto importante durante os procedimentos é a utilização de cânulas para minimizar eventuais intercorrências – sem esquecer que cânulas de calibre muito fino podem se comportar como agulhas e perfurar vasos sanguíneos.

Aspiração é outro item a ser discutido. Atualmente, não há evidências que apoiem a aspiração como medida de segurança. A revisão da literatura e a discussão entre grupos de especialistas alegam que é uma técnica pouco confiável, pois os resultados são influenciados pelo diâmetro e comprimento da agulha, pela reologia do produto injetado, se a agulha estava vazia ou se continha preenchimento no lúmen, pela dimensão da seringa, pela pressão arterial, pelo grau de pressão negativa e pelo tempo que é mantida. Após uma aspiração com falso negativo, o profissional pode ser encorajado a injetar através de uma agulha que está sendo mantida estável, mas poderá estar dentro de um vaso.

Para quem tem pouca experiência, estudos mostram que o ideal é iniciar o procedimento em áreas de menor risco, passando para regiões mais difíceis na medida que adquire mais conhecimento. Isso minimiza a probabilidade de intercorrências.

Confira outras edições da coluna “Estruturas anatômicas”, de Márcia Viotti.