Oswaldo Scopin de Andrade e Messias Rodrigues detalham a exposição dos incisivos superiores (EIS).
Muitos profissionais de Odontologia se surpreenderiam ao saber qual foi a primeira vez em que a estética foi considerada dentro de um programa da graduação. Independentemente da escola ou mesmo do país, é bem provável que isso tenha ocorrido durante o ensino da Prótese total. A confecção de uma “dentadura” ensina muito sobre harmonia facial.
Fatores como suporte labial e determinação da dimensão vertical de oclusão (DVO) ideal para cada paciente fazem parte de um checklist indispensável. Porém, há um ponto crucial de análise primária, em que realmente começamos todo processo estético: a partir da determinação da exposição dos incisivos superiores (EIS).
Após as fases iniciais de diagnóstico, moldagem e tomada de registros oclusais, vem a prova do rolete de cera, algo que pode parecer arcaico e ultrapassado na Odontologia atual. Entretanto, esse passo que parece algo simples tem muito mais importância do que se imagina.
Antes do advento da utilização da fotografia como algo corriqueiro, o desenho, a forma e as marcas realizadas no rolete de cera eram as únicas informações que o técnico em prótese dentária (TPD) tinha para a seleção e a montagem de dentes. Imaginem que não havia fotografia e tudo era iniciado a partir de um dispositivo simples que considerava a EIS como ponto de partida. Para quem se esqueceu, nesse rolete havia marcações para determinar a linha média, a exposição gengival ao sorrir e a comissura labial que auxiliava a encontrar onde os caninos seriam posicionados.
Dentro dos programas de ensino de TPDs, a montagem de uma dentadura talvez seja o melhor exercício didático a ser feito, pois o alinhamento ideal de todos os dentes é uma lição de como deve ser uma oclusão ideal, sendo iniciada a partir de uma análise estética. Transportando isso para os dias atuais, as áreas de Ortodontia, Reabilitação Oral e Harmonização Orofacial devem fazer o mesmo.
A análise facial é obrigatória em todas as áreas mencionadas, e a referência inicial continua sendo a exposição dos incisivos superiores. Vou dar um exemplo de como esse fator é importante e, se não for prestada a devida atenção, o tratamento pode não ser exatamente o que o paciente esperava.
Alguns meses atrás, uma paciente me procurou para a realização de uma reabilitação oral, pois sofria de desgaste dental, perda severa de DVO e, praticamente, não mostrava os dentes mesmo forçando o sorriso. Porém, havia um problema: a paciente vinha, há anos, realizando de maneira corriqueira procedimentos para melhoria do contorno labial. Ela e o profissional que a atendia não perceberam que, quanto mais mexiam no lábio, mais escondiam os dentes. Somente depois de tentativas frustradas é que ela me procurou. Resumindo, após um planejamento cuidadoso, no enceramento e com o teste com o mock-up, mostrei para a paciente que, mesmo aumentando a DVO e alterando o padrão oclusal, ela não teria o tão sonhado “sorriso perfeito”. O lábio era o problema.
A quantidade de procedimentos realizados de maneira aleatória sem um planejamento cuidadoso, e levando em consideração todas as variáveis, resultou na limitação do movimento labial. Trata-se de uma situação que se tornou comum em consultórios.
Por essa e muitas razões que, quem quer fazer Harmonização Orofacial, Reabilitação Oral e Ortodontia, deve ter uma visão integrada de todas as especialidades e considerar todos os fatores.
Com a presença da Odontologia Digital cada vez mais intensa em nosso dia a dia, as técnicas para diagnóstico estético estão cada vez mais precisas, mas é sempre bom lembrar que a exposição dos incisivos superiores ainda é o ponto inicial a ser considerado.
Oswaldo Scopin de Andrade
Mestre e doutor em Clínica Odontológica e Prótese Dental – Unicamp; Pós-graduação em Prótese e Oclusão pela NYU College of Dentistry; Coordenador do curso de Especialização em Odontologia Estética – Centro Universitário Senac/SP.
Orcid: 0000-0002-0857-4629.
Exposição dos incisivos superiores
Existe um denominador comum entre as especialidades, que é a EIS. Este dado diagnóstico é o ponto de partida para o planejamento de praticamente todas as disciplinas. Se tomarmos como exemplo um caso hipotético de um paciente, indicado para um tratamento multidisciplinar sem exposição dos incisivos, a avaliação inicial deverá ser feita em conjunto pelo ortodontista, pelo periodontista, pelo reabilitador oral (protesista) e, eventualmente, por quem será o responsável por uma possível Harmonização Orofacial.
O periodontista deve, inicialmente, avaliar se há diferença entre o tamanho da coroa clínica em relação à coroa anatômica, para que depois o ortodontista possa decidir seu próximo passo, baseado na DVO do paciente.
Se houver um pequeno trespasse vertical com a DVO normal, o ortodontista deverá extruir os incisivos. Se a DVO estiver diminuída e houver desgastes dos dentes anteriores, o profissional deverá extruir somente os dentes posteriores para criar um gap anterior e possibilitar o trabalho do protesista.
Em qualquer uma das opções anteriores, o ortodontista só deve iniciar o tratamento após este estudo prévio, feito com os colegas protesista e periodontista.
Uma exposição de aspecto agradável do incisivo superior só será possível de se obter se toda a face estiver proporcional e harmônica, e a DVO é protagonista de igual importância nesse cenário. De nada adianta uma boa exposição dos incisivos se a face está muito longa, com ausência de selamento labial ou, ao contrário, se a face está curta com aparência de “boca murcha”.
Dessa forma, sugerimos que a avaliação da exposição dos incisivos sempre seja feita conjuntamente com a DVO e o trespasse vertical anterior. Não há como colocar a borda incisal do dente incisivo na posição ideal em relação ao stômeo superior e deixar os incisivos com uma relação de sobremordida profunda.
Essa condição acontece com frequência nos casos em que, ao final do tratamento ortodôntico, o trespasse entre os incisivos está próximo do ideal e, para fazer as facetas, o protesista necessita acrescentar 1,5 mm aproximadamente à coroa na confecção das bordas incisais.
Assim, a aparência dos incisivos pode estar boa, mas a função dos guias incisais pode ficar comprometida, colocando em risco a estabilidade do trabalho protético ou mesmo a saúde das articulações temporomandibulares.
Sendo assim, o protesista que programou a confecção de facetas ou coroas nos dentes anteriores deve solicitar ao ortodontista que finalize o tratamento ortodôntico com um trespasse pobre, ou até com uma pequena mordida aberta, dependendo do tamanho que foi programado para a confecção das coroas.
A norma sugere aproximadamente 3 mm a 4 mm de exposição das bordas incisais em relação ao stômeo superior, o que significa, na prática clínica, todo o terço incisal, aproximadamente. A integração entre as disciplinas não é mais uma opção, é uma obrigação de todo profissional da Odontologia que lida com a estética.
Messias Rodrigues
Especialista em Ortodontia – Unitau; Mestre em Radiologia pela Unicamp; Professor do curso de especialização de Ortodontia da Unitau; Idealizador da técnica Straight-Wire Simplificada; Autor do livro “Técnica SSW” editado em português, espanhol, inglês e mandarim.