Maristela Lobo destaca a importância de ter “humildade científica” no exame da realidade, inclusive na prática da Harmonização Orofacial.
Certa vez, lendo o livro Versão Beta, de Rodrigo Barros, entendi a ideia de que somos seres em constante construção. Mudamos, evoluímos e aprendemos coisas novas. É impossível saber tudo. É pretensioso, até. Mas é possível (e inteligente) estar disposto a aprender constantemente. E quanto mais escolhemos a qualidade das informações e conhecimentos que consumimos, mais nos tornamos versões melhores de nós mesmos.
Assim também é a Ciência. Durante a pandemia, tive a oportunidade de estudar sobre a transitoriedade das verdades científicas. É preciso ter “humildade científica” no exame da realidade. A dúvida é fundamental porque nos move a buscar, questionar, testar, testar novamente, comparar, confirmar e avaliar nossos resultados diante de inúmeros cenários. Conhecimento e reflexão não fazem mal a ninguém, muito pelo contrário.
Trabalhos científicos realizados com qualidade nos apresentam verdades menos transitórias, e nos cabe escolher bem os estudos que baseiam as nossas atitudes clínicas, ao mesmo tempo que devemos agir parcimoniosamente com nossos pacientes. Modismos não representam cuidado e atenção à saúde, a menos que a saúde esteja na moda. Atitudes comerciais podem gerar resultados desastrosos em uma sociedade que cuida pouco da saúde e muito da aparência.
Longe de criticar a estética, gostaria de salientar a importância fundamental das bases fisiológicas e anatômicas que regem o bom funcionamento do nosso organismo. E aí vem a pergunta: de que lado você está? Você é o tipo de profissional que exerce empreendedorismo de palco e acredita no poder dos números em seu desempenho profissional? Número de seguidores, número de lentes de contato instaladas, número de bichectomias realizadas? Ou você é o profissional que exerce o cuidado genuíno e customizado com pessoas, dos mais diversos tipos e com os mais diversos interesses, e desse cuidado nasce a recompensa financeira? Quero lembrar que todo extremo é condenado. Não precisamos nos polarizar e dicotomizar até mesmo as posturas em Odontologia. O mundo inteiro terá mais paz e bem-estar se pautarmos as nossas ações no equilíbrio e no respeito.
Quer um exemplo? Muitos pacientes nos procuram desejando alterar sua aparência para se adequar aos padrões de beleza impostos pela mídia em geral (incluindo as influências das redes sociais). Isso não significa que realizaremos o desejo de um determinado paciente, se julgarmos que ele trará mais danos do que benefícios. É nosso dever orientar, de maneira que o paciente possa compreender sob os olhos de quem tem conhecimento biológico, científico e técnico sobre o assunto. É um cuidado quase que parental que consome tempo e paciência, mas que é fundamental na construção de caminhos mais coerentes.
Quer um exemplo antagônico a este que acabei de dar? Outros pacientes realmente se beneficiarão de alterações discretas ou extremas em sua aparência, reacendendo a chama da autoestima e da avidez pela vida. Precisamos saber diferenciar essas nuances para que o nosso tratamento ofereça mais benefícios do que nenhum tratamento.
Continuar buscando as respostas através de perguntas bem formuladas é uma jornada digna. Reconhecer as próprias limitações e buscar treinamento e atualização constantes é honrado. Agir respeitosamente diante de colegas, alunos, pacientes e pessoas é preciso. Ainda há muito a ser feito. Você vem conosco?
Maristela Lobo
Editora científica da revista FACE.
Orcid: 0000-0003-0595-8851.