Complicações perioculares com toxina botulínica

Complicações perioculares com toxina botulínica

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Rubelisa Cândido Gomes de Oliveira traz seleção de artigos que debatem as raras complicações perioculares que podem causar transtorno ao paciente.


Nesta edição, falaremos sobre as complicações do uso da toxina botulínica em procedimentos perioculares. Esse tema foi o escolhido por ser a região ao redor dos olhos uma área amplamente tratada nos consultórios odontológicos com toxina botulínica e que apresenta algumas peculiaridades. Mesmo que hoje a Harmonização Orofacial faça parte do rol de especialidades odontológicas, muito ainda se questiona quando o cirurgião-dentista atua no terço superior da face. Portanto, o profissional deve ser atento e preciso na técnica.

Quando usado apropriadamente, o tratamento com toxina é geralmente seguro e bem tolerado pelos pacientes. Como os efeitos da toxina começam a desaparecer costumeiramente em 12 semanas, a duração de seus efeitos colaterais é limitada. Alguns dos efeitos colaterais indesejáveis das aplicações perioculares da toxina botulínica incluem: equimoses; erupção cutânea; dor de cabeça; náusea; tontura; perda da expressão facial; flacidez palpebral inferior; dermatocalasia; ectrópio (reviramento da pálpebra); epífora (lacrimejamento involuntário e contínuo devido à obstrução nas vias lacrimais); ptose de sobrancelha e/ou palpebral; lagoftalmia (incapacidade de fechar os olhos); ceratite seca e diplopia.

Apesar de raras, são complicações que causam elevado grau de transtorno ao paciente e, por isso, trata-se de assunto a ser conhecido e discutido nesta resenha.



Uma revisão da neurotoxina botulínica periocular na homeostase da película lacrimal e na alteração da superfície ocular

Ho RW, Fang PC, Chang CH, Liu YP, Kuo MT. A Review of Periocular Botulinum Neurotoxin on the Tear Film Homeostasis and the Ocular Surface Change. Toxins 2019;11(66):1-11.

Por que é interessante: Discute complicações na região periocular fazendo um paralelo inédito entre os possíveis efeitos na homeostase lacrimal e na superfície ocular com o uso da toxina para o tratamento desses mesmos sintomas.

Desenho experimental: Os autores pesquisaram no Pub-Med artigos publicados em inglês sobre os efeitos da toxina botulínica (TXB) no filme lacrimal e na superfície ocular em 14 de julho de 2018. A estratégia de pesquisa incluiu as palavras-chave “neurotoxina botulínica”, “toxina botulínica”, “lágrima”, “espessura da camada lipídica”, “glândula lacrimal”, “glândula meibomiana”, “superfície ocular” e várias combinações dessas palavras-chave.

Os achados: Os resultados foram divididos em duas categorias: 1. Doença ocular seca – geralmente classificada como olho seco com deficiência aquosa (OSDA) ou olho seco evaporativo (OSE), com base nas etiologias predominantes. A OSDA é uma condição que afeta as glândulas lacrimais, enquanto a OSE descreve problemas que afetam as pálpebras (por exemplo, disfunção da glândula meibomiana), a superfície, ou o padrão de piscar, que resultam em secagem rápida. Teoricamente, a toxina botulínica bloqueia a liberação de acetilcolina das terminações nervosas parassimpáticas na glândula lacrimal e, subsequentemente, diminui a produção de lágrimas. Os estudos apontaram que, ao mesmo tempo em que existem bons resultados do uso da toxina botulínica no tratamento do hiperlacrimejamento – já que a diminuição de secreção lacrimal é desejada nesta patologia –, existem pesquisas que demonstram que o uso da toxina botulínica para o tratamento de rugas periorbitais pode causar a OSDA como efeito colateral. 2. Evaporação aumentada do filme lacrimal: pálpebra e padrão de piscada anormal – a toxina botulínica é benéfica para reduzir a contração involuntária da pálpebra e a taxa de intermitência em pacientes com distúrbios do movimento facial. Entretanto, seu uso tem várias complicações potenciais devido aos efeitos de quimiodenervação nos músculos orbiculares, como lagoftalmo, piscar incompleto e ectrópio, o que pode levar ao aumento da evaporação das lágrimas.

Assim, o estudo segue com o paralelo do uso da toxina botulínica para o tratamento de diversas deformidades e deficiências oculares e periorbitais como consequências da aplicação da toxina botulínica em tratamentos estéticos mal planejados e/ou executados.

Conclusão: A TXB tem sido amplamente utilizada na oftalmologia e na indústria estética e alterou a prática clínica referente ao manejo dos distúrbios do movimento facial, dos distúrbios autonômicos e das rugas estéticas. Vários efeitos colaterais foram relatados após a injeção de toxina botulínica periocular. No entanto, o efeito da toxina botulínica na homeostase do filme lacrimal permanece controverso até o momento. Esta revisão conclui que a homeostase do filme lacrimal, após a injeção de toxina botulínica periocular, depende da dosagem, da concentração e do fator mais importante: o local de injeção. Portanto, os profissionais devem adotar diferentes protocolos de tratamento para cada paciente de acordo com sua condição de superfície ocular para evitar complicações ou evitar exacerbação de comorbidades preexistentes. Isso requer familiaridade com a toxina e exame ocular completo de cada paciente. Se for adequadamente administrado, a toxina botulínica pode ser uma ferramenta eficaz e segura.

Artigo original disponível em: https://bit.ly/2JYymUv.



Uso de neurotoxina botulínica em Oftalmologia

Başar E, Arici C. Use of Botulinum Neurotoxin in Ophthalmology. Turk J Ophthalmol 2016;46(6):282-90.

Por que é interessante: Este artigo também é um artigo de revisão, mas extremamente didático. Apesar de ser todo embasado na literatura científica, os autores conseguiram abordar o uso da toxina em Oftalmologia de forma objetiva e clara com divisão clínica. É o tipo de artigo que clínicos se sentem muito à vontade em ler.

Desenho experimental: Revisão da literatura associada às experiências clínicas dos autores.

Os achados: A neurotoxina botulínica é a primeira toxina biológica usada no tratamento de doenças oftálmicas e para diminuir as rugas da pele como um agente estético. Quando usado apropriadamente, enfraquece a força de contração muscular e/ou inibe a secreção glandular. As áreas mais comuns para o tratamento com toxina botulínica são a face superior, incluindo a glabela; a testa; as sobrancelhas e o canto lateral dos olhos; as linhas ou pés de galinha. A toxina relaxa os músculos associados às rugas e leva a resultados não permanentes, tendo aplicação em uma variedade de doenças oftálmicas. O efeito é temporário, mas o benefício terapêutico é geralmente mantido mesmo depois de injeções repetidas. O tratamento geralmente é bem tolerado. Complicações e efeitos colaterais associados ao tratamento são raros, passam em quatro meses e ocorrem devido à quimiodenervação dos grupos musculares adjacentes, mecanismos imunológicos e técnica de injeção. Indicações terapêuticas atuais, doses, complicações e contraindicações do uso da toxina nos distúrbios relacionados à Oftalmologia foram investigadas e categorizadas em: uso estético; estrabismo; blefaroespasmo; espasmo hemifacial; retração palpebral; entropia; síndrome de hipersecreção lacrimal e paralisia facial.

Conclusão: A expectativa de vida média cresceu bastante. A toxina é capaz de reduzir ou ao menos desacelerar os sinais de envelhecimento ao redor dos olhos e rosto. Além disso, a sua utilização na Oculoplastia e na Oftalmologia tornou-se uma poderosa alternativa química para cirurgia de estrabismo.

Artigo original disponível em: https://bit.ly/2JWR274.



Botox após botox – uma nova abordagem para tratamento de diplopia secundária ao uso cosmético de toxina botulínica: relatos de casos

Isaac CR, Chalita MRC, Pinto LD. Botox após botox – uma nova abordagem para tratamento de diplopia secundária ao uso cosmético de toxina botulínica: relatos de casos. Arq Bras Oftalmol 2012;75(3):213-4.

Por que é interessante: Trata-se de uma publicação de autores brasileiros que descreve uma nova técnica para tratamento de diplopia secundária ao uso estético da toxina botulínica A (TXB-A).

Desenho experimental: Série de dois casos em que cada paciente desenvolveu diplopia após uso cosmético de toxina botulínica periocular, tendo sido tratados com injeção de toxina botulínica no músculo extraocular antagonista.

Os achados: A diplopia melhorou em menos de uma semana nos dois pacientes com os casos detalhadamente descritos no artigo e sem efeitos colaterais. Devido aos bons resultados, os autores consideram o uso de injeção intramuscular de toxina botulínica como uma possível opção para o tratamento da diplopia secundária ao uso da toxina para rejuvenescimento facial.

Conclusão: Os autores propõem que os pacientes que serão submetidos a um procedimento com toxina botulínica para fins estéticos na região periocular devem ser alertados sobre a possibilidade de desenvolver diplopia no pós-operatório. Se isso ocorrer, é mandatório encaminhar o paciente para um oftalmologista para o manejo apropriado. O oftalmologista deve ser experiente no tratamento de estrabismo e deve definir a melhor opção de tratamento para cada caso, incluindo: tratamento conservador; uso de oclusão ocular; óculos com lentes prismáticas ou uso de injeção de toxina botulínica no músculo antagonista, conforme descrito neste artigo. Mais estudos são necessários para confirmar a eficácia e a segurança desta nova abordagem terapêutica.

Artigo original disponível em: https://bit.ly/2TQBSA1.


Rubelisa Cândido Gomes de Oliveira
Especialista em Periodontia – FOAr/Unesp; Mestra em Odontologia e doutora em Ciências da Saúde – UFG.