Ácido hialurônico: propriedades biofísicas e a prática clínica

Ácido hialurônico: propriedades biofísicas e a prática clínica

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Confira os fatores que contribuem para que o ácido hialurônico seja considerado o padrão-ouro em preenchimento facial, o tornando o preenchedor injetável mais popular no mundo todo.


Os biomateriais são desenvolvidos com objetivo de mimetizar materiais biológicos, cumprindo a mesma função com mínimo de efeitos adversos. O ácido hialurônico (AH) é um biomaterial com diversas aplicações na área da saúde graças às suas propriedades biofísicas favoráveis. Na área da estética facial, o AH industrializado é utilizado para repor o volume perdido de tecido ósseo e de gordura – que ocorre durante o envelhecimento –, remodelar o contorno e a topografia facial, suavizar rugas e sulcos, hidratar e revitalizar a pele.

Alguns fatores contribuem para que o ácido hialurônico seja considerado o padrão-ouro em preenchimento facial e o tornaram o preenchedor injetável mais popular em todo o mundo. Entre eles estão a simplicidade da técnica, a biocompatibilidade, o baixo custo, o curto tempo de recuperação, o baixo índice de efeitos adversos e a possibilidade de revertê-los com hialuronidase.

Com o avanço dos estudos sobre o processo de envelhecimento e a compreensão de como ele acontece, ocorreu também o aperfeiçoamento na fabricação do produto, e formulações comerciais variadas foram criadas para atender às necessidades clínicas. Muitos profissionais injetores ainda utilizam um único tipo de ácido hialurônico para preencher diversos sítios na face, mas muitos já estão familiarizados com as variedades disponíveis no mercado e estão cientes de que há um produto adequado para cada zona facial e indicado para cada necessidade clínica. Certamente, a escolha do produto influenciará no resultado final, além de reduzir a incidência de efeitos adversos1.

O envelhecimento é um processo multinível, ou seja, os efeitos decorrentes da idade ocorrem em vários planos da face, e o conceito atual de volumização reflete essa compreensão. A volumização não é apenas um procedimento subdérmico realizado com produto de alto módulo de elasticidade que promove elevação do tecido. A volumização global facial requer preenchedores específicos em relação à anatomia e à função, e os materiais devem fornecer potencial suporte dos tecidos em camadas, com componentes superficiais e profundos.

Nesse conceito, a volumetria facial é visualizada como uma configuração de vetores tridimensional, e não apenas unidirecional como seria se o tecido fosse apenas elevado1. A vetorização tridimensional é perpendicular, tangencial e/ou horizontal à superfície da pele2. O preenchimento superficial tem o potencial de sinergizar com a volumização de suporte profundo, principalmente em virtude de sua vetorização tangencial e horizontal, otimizando os resultados de rejuvenescimento, beleza e harmonia facial1.

Para atender as demandas do mercado e acompanhar a evolução dos conceitos na área de rejuvenescimento facial, cada empresa modifica as propriedades biofísicas do produto de maneira própria, criando um portfólio que engloba produtos com características diferentes, como concentração de ácido hialurônico, grau de reticulação, viscosidade, elasticidade, módulo elástico, resistência à degradação, interação com o tecido etc. As propriedades biofísicas e bioquímicas do material preenchedor são fundamentais para determinar a profundidade, a técnica, o volume e o local ideais de injeção, e assim promover a configuração tridimensional necessária para a restauração global da face.

Compreender esses fatores é útil para otimizar o uso do ácido hialurônico industrializado e guiar o profissional na sua prática clínica. De maneira geral, as empresas oferecem pelo menos uma formulação para restaurar o volume num plano profundo, a qual apresenta maior rigidez para que possa manter sua forma diante das forças decorrentes da movimentação facial, e uma formulação para aplicação em plano superficial, que deve ser altamente deformável. Dentro desses extremos, pode haver uma gama grande de produtos com caracterizações biofísicas intermediárias3.

O AH é um polissacarídeo linear, composto por unidades dissacarídicas repetidas de N-acetil-D-glucosamina e D-glucuronato. Os preenchedores de AH industrializados podem ser monofásicos ou bifásicos, dependendo da tecnologia de fabricação. Estudos demonstraram que os enchimentos monofásicos tendem a percorrer e integrar-se ao tecido, enquanto os enchimentos bifásicos dissecam o tecido para os lados para criar um espaço potencial para o implante4.

Os preenchedores de AH são reticulados quimicamente, a fim de melhorar as características biofísicas e a duração in vivo dos produtos. A maioria deles utiliza éter 1,4-butanodiol diglicidílico como agente de reticulação. O processo de reticulação conecta as cadeias lineares de ácido hialurônico, transformando-as em uma rede tridimensional. A execução desse processo de acordo com diferentes tecnologias de fabricação leva a hidrogéis com propriedades reológicas específicas, níveis de coesividade e estruturas matriciais5.

Ácido hialurônico

Na maioria das pesquisas atuais, a caracterização reológica das cargas reticuladas de AH é baseada na avaliação dos parâmetros viscoelásticos Gʹ (módulo elástico), Gʹʹ (módulo viscoso), tan δ (Gʹʹ/Gʹ), resiliência, coesividade e outros3.

O módulo elástico, conhecido como G prime (Gʹ), mede a rigidez do gel e, portanto, sua capacidade de resistir à deformação sob pressão aplicada, por exemplo, quando o preenchedor passa através de uma agulha ou cânula de injeção e após a implantação, quando o preenchimento é submetido a movimentos da musculatura facial e da pele sobrejacente. Quanto maior o G’ de um gel, menos ele se deforma sob pressão e mais energia ele pode reter e armazenar.

Os produtos com alto Gʹ são descritos como possuindo alta capacidade de elevação de tecido1. Esse é um parâmetro útil, porque indica que esses produtos devem ser utilizados em planos subdérmicos profundos e supraperiostais onde se deseja precisão pós-implantação e manutenção do contorno. São preenchimentos mais firmes, que permanecem mais definidos no tecido. As indicações clínicas são a de contornar e esculpir a face média, a face inferior, as têmporas e o nariz, quando a qualidade do tecido é adequada. Preenchimentos com baixo Gʹ podem ser usados em planos mais superficiais, região perioral, pé de galinha e rugas finas. Eles são igualmente relevantes, pois, de acordo com o conceito mais avançado de volumetria tridimensional, a restauração global da face se dá através do suporte dos tecidos, e não elevação1. Algumas regiões, como a calha lacrimal, requerem um gel com Gʹ médio, já que tem menos chances de migrar6 para regiões vizinhas.

A estratificação de preenchedores nos planos de tecidos superficiais e profundos representa um refinamento da adaptação reológica — o processo pelo qual os produtos são selecionados para aplicações clínicas específicas com base em seus atributos reológicos7.

A viscosidade do gel pode ser quantificada como o módulo viscoso, conhecido como G double prime (Gʹʹ). Essa é uma medida da capacidade de um gel dissipar energia quando a força de cisalhamento é aplicada a ele. Um gel de alta viscosidade se espalha com menos facilidade e é menos suscetível às forças de cisalhamento e tensão de escoamento do que um gel de baixa viscosidade. Além disso, Gʹʹ é equivalente à viscosidade complexa (η*) quando a força de cisalhamento fica dentro da faixa viscoelástica linear. Vale destacar que a η* pode ser clinicamente mais relevante que Gʹʹ, especialmente em produtos com características multifásicas nos quais o Gʹʹ pode não ser um indicador tão preciso1.

Tan delta (tan δ) é a razão entre o módulo viscoso e o módulo elástico (Gʹʹ/Gʹ). É uma medida da presença e extensão da elasticidade. Um gel com tan δ alto terá predominância de fluidez sobre elasticidade, enquanto tan δ baixo indica predominância de elasticidade sobre fluidez. Um preenchedor com menor Gʹ, menor viscosidade e maior tan δ será um material de enchimento macio que se espalha bem e, embora elástico, possui um componente de fluidez importante. Isso o torna apropriado para injeção em planos mais superficiais, pois ele flui rapidamente através dos planos de tecido intradérmico ou subdérmico superficial, e pode ser moldado facilmente após a implantação para produzir um resultado suave. As indicações clínicas são as regiões perioral, submalar e periocular, sendo a última considerada uma zona facial de alto risco.

Produtos macios também são recomendados quando a qualidade do tecido é comprometida devido à perda de volume e elasticidade relacionada à idade. Algumas formulações são intermediárias em Gʹ e viscosidade e apresentam firmeza intermediária, tendência a espalhar e equilíbrio entre fluidez e elasticidade. As propriedades viscosas do gel, em conjunto com a coesão, também permitem avaliar a integração tecidual do implante1.

A coesividade, um parâmetro recentemente estudado, pode ser definida como a capacidade de um material não se dissociar devido à afinidade mútua entre seus componentes5. Quanto melhor o gel se espalhar sem desagregar (baixa viscosidade e alta coesividade), melhor será a integração ao tecido, portanto, mais natural será o resultado estético. Os parâmetros de fabricação, diretamente relacionados a essa propriedade, ainda precisam ser totalmente identificados; entretanto, estudos sugerem que há correlação entre as propriedades de dilatação/rigidez e coesão: quanto maior a capacidade de captação de água e menor o valor de G’, maior a coesão do gel3,8.

A força de compressão é um parâmetro menos estudado, porém não menos importante5. Estudos recentes sugerem que as propriedades de compressão desempenham papel-chave no mecanismo de colagenogênese, hipotetizando que o implante de AH pode aplicar uma pressão mecânica sobre o fibroblasto, provocando o alongamento das fibras com subsequente aumento na produção de pró-colágeno I e III por até 12 semanas após a injeção9.

A degradação do AH tem sido amplamente estudada, pois está diretamente relacionada à longevidade clínica do produto. Recentemente, um estudo in vitro investigou o índice de degradação do gel de AH induzida por espécies reativas de oxigênio (ERO). Os autores sugerem que a sensibilidade a ERO parece se correlacionar ao grau de reticulação e à coesividade do gel, com uma taxa de degradação que diminui à medida que ambos os parâmetros aumentam. Em particular, entre os géis com reticulação semelhante, os mais coesos também foram os mais estáveis3. Em relação à degradação pela hialuronidase, a composição química e as propriedades físicas do gel AH podem interferir no tempo que o material é dissolvido e na dose ideal de enzima em casos de reversão de efeitos adversos10.

Com o avanço da tecnologia em implantes faciais e a compreensão das leis que governam o envelhecimento, a volumização facial tornou-se um procedimento mais sofisticado e complexo, no qual o conhecimento aprofundado e o domínio do produto utilizado têm influência direta na excelência do resultado clínico.

Confira todas as edições da coluna “Biomateriais preenchedores”, de Lucila Largura.

Referências
1. Sundaram H, Cassuto D. Biophysical characteristics of hyaluronic acid soft-tissue fillers and their relevance to aesthetic applications. Plast Reconstr Surg 2013;132(4 Suppl 2):5S-21S.
2. Sundaram H, Kiripolsky M. Nonsurgical rejuvenation of the upper eyelid and brow. Clin Plast Surg 2013;40(1):55-76.
3. La Gatta A, Salzillo R, Catalano C, D’Agostino A, Pirozzi AVA, De Rosa M, et al. Hyaluronan-based hydrogels as dermal fillers: The biophysical properties that translate into a “volumetric” effect. PLoS One 2019;14(6):e0218287.
4. Flynn TC, Sarazin D, Bezzola A, Terrani C, Micheels P. Histologia comparativa da implantação intradérmica de cargas mono e bifásicas de ácido hialurônico. Dermatol Surg 2011;37(5):637-643.
5. Gavard Molliard S, Albert S, Mondon K. Key importance of compression properties in the biophysical characteristics of hyaluronic acid soft-tissue fillers. J Mech Behav Biomed Mater 2016;61:290-298.
6. Woodward JA. Periocular fillers and related anatomy. 2016;98(5):330-335.
7. Sundaram H, Carruthers J. The glabella and central brow. In: Carruthers J, Carruthers A, eds. Procedures in Cosmetic Dermatology: Soft Tissue Augmentation. Amsterdam: Elsevier; 2013:88-99.
8. Edsman KLM, Öhrlund A. Cohesion of hyaluronic acid fillers: correlation between cohesion and other physicochemical properties. Dermatol Surg 2018;44(4):557-62.
9. Paliwal S, Fagien S, Sun X, Holt T, Kim T, Hee CK et al. Skin extracellular matrix stimulation following injection of a hyaluronic acid-based dermal filler in a rat model. Plast Reconstr Surg 2014;134(6):1224-33.
10. Schelke LW, Velthuis P, Kadouch J, Swift A. Early ultrasound for diagnosis and treatment of vascular adverse events with hyaluronic acid fillers. J Am Acad Dermatol 2019.

 

Lucila Largura

Lucila Largura
Pós-doutoranda em Bioengenharia – UFPR; Doutora em Ortodontia – PUC/PR; Especialista e mestra em Ortodontia – SLM; Pós-graduada em Terapêutica Odontológica com Toxina Botulínica e Preenchimento Orofacial – Detox/USA e Universidade Argentina John F. Kennedy (UK); Coordenadora de pós-graduação em Harmonização Orofacial – IOA Miami.