Cobertura jornalística: Cecilia Felippe Nery
Dois produtivos debates marcaram o primeiro encontro entre docentes promovido pela FACE. O evento foi realizado no auditório do BOC São Paulo, com a presença de cerca de 40 formadores de opinião da Harmonização Orofacial.
Graças ao formato do evento, com importantes professores tanto na mesa de debates como na plateia, a discussão foi travada em alto nível. Além das mesas-redondas sobre preenchedores faciais e de toxina botulínica, os participantes também puderam conhecer, em primeira mão, mais informações sobre o lançamento da revista.
A primeira atividade teve como foco a discussão sobre o uso da toxina botulínica, com a presença dos professores Andrea Tedesco, Flavio Luposeli, Irineu Pedron e José Peixoto Ferrão Jr.
Outras mesas-redondas devem ser promovidas pela revista FACE nos próximos meses, e seu conteúdo será publicado em edições futuras da revista. A gravação das atividades também será disponibilizada com exclusividade para assinantes da FACE.
Veja abaixo o fruto desse importante debate sobre abrangência e pertinência do uso da toxina botulínica na Odontologia.
Abrangência e pertinência de uso da toxina botulínica na Odontologia
Andrea Tedesco
Especialista em Dentística Restauradora; Mestre e Doutora em Clínica Odontológica com ênfase em Dentística – Uerj; Professora adjunta de Clínica Integrada – UFRJ; Fellow – MARC; Coordenadora da pós-graduação em Harmonização Facial – Faipe.
José Peixoto Ferrão Jr.
Especialista em Periodontia – APCD-Bauru; Mestre e Doutor em Ciências da Saúde – UNB e UFMS; Professor doutor associado, responsável pela disciplina de Periodontia da UFMS; Professor do estágio em Clínica Odontológica da UFMS; Presidente da Sociedade Brasileira de Toxina Botulínica e Implantes Facias na Odontologia – SBTI.
Flavio Luposeli
Especialista em Dentística – APCD-SJC; Especialista em DTM/Dor Orofacial – Unifesp; Reabilitação Oral – Universidade do Texas, Dental Branch at Houston – Responsável pelas pesquisas com Toxina e Biomateriais – C.O.D.D.- Fousp; Coordenador dos cursos de Toxina e Preenchedores Odontológicos e de Anatomia Cirúrgica para Estética Orofacial Avançada – Odonto Partners e MARC; Membro do Advisory Board Internacional da Ipsen Beaufour, Munich, Alemanha; Mais de 20 anos de experiência como consultor na área de neurotoxinas de origem biológica.
Irineu Pedron
Periodontista e Implantodontista; Mestre em Ciências Odontológicas – Fousp; Professor das disciplinas de Periodontia, Cirurgia, Estomatologia e Clínica Multidisciplinar – Universidade Brasil.
Moderação
Luciano Artioli Moreira
Graduação em Odontologia e Mestrado em Diagnóstico Bucal – Universidade Camilo Castelo Branco; Graduação em Administração de Empresas – Universidade São Marcos; Especialização em Patologia Bucal – Universidade de São Paulo; Doutorado em Saúde da Criança e do Adolescente – Universidade Estadual de Campinas; Um dos pioneiros da Harmonização Orofacial no Brasil, ministrando cursos sobre esse tema desde 2008.
Comparativo entre marcas comerciais
Luciano Artioli
Qual a eficácia da toxina botulínica comparando as diversas marcas comercializadas no Brasil? Existe uma marca melhor do que a outra? Tem toxina boa e toxina ruim?
Flavio Luposeli
• A eficácia da toxina botulínica é, claramente, técnico-dependente. A maior parte dos problemas que vejo nessa área tem origem no profissional que realizou o procedimento, e não no produto em si, seja a marca que for.
• Eu já trabalhei com praticamente todas as marcas disponíveis no mercado, e não vejo diferença significativa entre elas. O que vejo são alterações de protocolos para cada rosto, porque cada caso é diferente do outro, sendo necessário utilizar protocolos mais individualizados.
• Vamos lembrar que a toxina botulínica tipo A é uma proteína sintetizada principalmente pela bactéria Clostridium botulinum. Esse é o produto que está disponível no mercado. A similaridade entre as marcas acontece porque bactérias do mesmo gênero e espécie não podem produzir toxinas radicalmente diferentes. Uma mudança de qualidade pode ocorrer pela maneira como cada fabricante faz a cultura das bactérias. Mesmo assim, trata-se de uma diferença sutil, nunca será uma mudança drástica.
Andrea Tedesco
• O que tenho observado, é que muitos profissionais vêm usando a toxina botulínica da forma errada. Infelizmente, muitos alunos concluem o curso básico hoje e se apresentam como professores na semana seguinte, sem muito conhecimento. Existe uma deficiência técnica entre os profissionais e isso afeta a eficácia das toxinas.
• Outro fator que interfere na ação das toxinas é o metabolismo dos pacientes. Hoje, trabalhamos com pessoas que usam muitos suplementos. Os metabolismos estão cada vez mais acelerados. Existe um volume grande de pacientes que cuidam de seu bem-estar físico ingerindo uma série de vitaminas, suplementações, praticam exercícios físicos, são adeptos da Medicina Ortomolecular etc. Devemos estar atentos, pois tudo isso interfere na ação das toxinas e na sua duração.
José Peixoto Ferrão Jr.
• Concordo com a questão do metabolismo levantada pela professora Andrea. As pessoas estão mudando seus hábitos e suas atividades físicas.
• A técnica de aplicação também é um ponto importante. Devemos observar a tríade: reconstituição; armazenamento e dose. Quando falhamos em um desses três pontos, a durabilidade é comprometida. Obviamente, sempre é mais fácil culpar o fabricante do que assumir o erro.
• Os estudos prospectivos são muito valiosos nesse quesito. Uma determinada toxina que apresenta 30 anos de estudo é mais confiável do que aquela que foi lançada hoje, por exemplo. Obviamente, não estou dizendo que um produto menos estudado é necessariamente ruim, mas quando se tem estudos longitudinais, a credibilidade aumenta.
• Devemos também estar atentos aos halos de difusão e ao peso molecular da toxina e sua relação com o espalhamento da toxina.
Irineu Pedron
• Em minha experiência clínica, nunca observei diferença significativa entre as marcas. No entanto, a toxina botulínica existe há mais de 40 anos e certamente existem estudos a esse respeito.
• Os erros de procedimento aqui citados têm origem em um problema mais grave, que é o ensino das técnicas. Infelizmente, existem muitos pseudocursos disponíveis, que são ministrados por pseudoprofessores. Então, não surpreende que existam tantos profissionais atuando com formação deficitária, sendo que muitas vezes o problema vem desde a graduação.
Efeito vacina, risco de imunização e “retoques”
Luciano Artioli
Entre os inúmeros fatores que podem contribuir para reduzir a durabilidade da ação da toxina botulínica, qual peso vocês atribuem ao possível efeito de imunização? Qual a visão de vocês sobre isso?
Andrea Tedesco
• Os artigos publicados sobre esse assunto mostram existir uma comprovação clara sobre o efeito de imunização dose e tempo dependente.
• Particularmente eu procuro evitar as reaplicações de toxina botulínica, o que alguns profissionais chamam de “retoque”, antes do período mínimo para uma nova aplicação, que deve ocorrer após 3 meses.
• Eu não gosto desse termo “retoque”. Parece que você está corrigindo algo que não ficou bom. Considero que o termo mais correto seria “ajuste” ou “procedimento complementar”, que só deveria ser feito em casos de assimetria importante na região da primeira aplicação.
Irineu Pedron
• Eu concordo com a Andrea. A reaplicação da toxina, de forma exagerada, é muito comum.
• A bula orienta claramente que essas reaplicações não devem ser feitas. A bula do medicamento ainda é o melhor documento para orientar a melhor forma de fazer a admissão.
José Peixoto Ferrão Jr.
• Quando se fala em imunização, ou “efeito vacina”, a literatura mostra que a partir do momento em que se aplica a toxina botulínica, o organismo reage produzindo anticorpos imunizantes.
• A literatura também diz que, para ter o efeito vacina, é necessário utilizar doses altas, em tempos curtos. Ou seja, o retoque não foi determinado para ser regra nas aplicações, e sim exceção, mas não é o que ocorre.
• O profissional que faz muitas reaplicações precisa rever seu planejamento.
• Alguns pacientes argumentam que a toxina não funciona mais por estar “vacinada”, que há 20 anos se faz a aplicação, e que hoje não fica mais como tempos atrás. O que precisa ser levado em conta é o envelhecimento, que o músculo não é o mesmo; assim, é imprescindível discernir o efeito vacina do corpo que já não responde mais como antes.
Flavio Luposeli
• O efeito vacina é fartamente documentado, principalmente para os casos que envolvem proteínas estranhas ao corpo. Não é à toa que os fabricantes determinam o intervalo mínimo de três meses entre uma aplicação e outra, justamente por conta do efeito vacina.
• Os profissionais deveriam usar os “retoques” como absoluta exceção e não como regra. Se houve um erro no protocolo e o paciente ficou com o rosto irregular, o profissional deve assumir que cometeu um erro e fazer uma nova aplicação para corrigir a situação, caso contrário, aquele paciente terá seu convívio social comprometido. Trata-se de um uso off label do produto, que submeterá o paciente ao risco da imunização. No entanto, se o paciente está com o rosto “torto”, é um risco justificável.
Luciano Artioli
• Como sabemos, a toxina não age imediatamente. Seu efeito é sentido depois de 48 horas e atinge seu efeito completo depois de, no máximo, duas semanas. Por isso, convencionou-se fazer uma consulta de retorno após esse período, o que é absolutamente correto do ponto de vista do cuidado com o paciente. No entanto, não podemos confundir “retorno” com “retoque”.
• Fora da Odontologia, muitos profissionais aprenderam a usar a toxina botulínica com propagandistas dos laboratórios. Por isso, eles erravam muito no início do aprendizado. Foi assim que a prática do “retoque” se popularizou.
Prolongamento dos efeitos da toxina com zinco quelado
Luciano Artioli
Existem várias correntes de pesquisa que dissertam sobre a possibilidade de se ampliar o efeito da duração da toxina botulínica a partir do uso de determinadas substâncias. Qual a opinião de vocês sobre esses prolongadores do efeito da toxina botulínica?
Andrea Tedesco
• Esse tipo de estudo clínico realmente é muito difícil de ser feito. Acho que isso não vai acontecer e vamos continuar no “achismo”.
• Eu também não acredito que a introdução desses fármacos vá mudar a durabilidade da toxina. Nesse caso, eu continuo atribuindo a duração da toxina a fatores como o metabolismo e a aplicação correta do produto por parte do profissional em questão.
Flavio Luposeli
• De fato, esse tipo de pesquisa é difícil de realizar. A melhor maneira de separar os grupos é aumentar as amostragens. No entanto, ao fazer isso, fica difícil nivelar os grupos posteriormente.
• Com relação ao zinco quelado, até existem algumas publicações que tentam comprovar que ele aumenta a duração da toxina, mas não há nada sólido.
• A terminação nervosa do músculo é zinco dependente, assim como também é cálcio dependente. Se for ofertada maior quantidade de cálcio ou de zinco, não significa que seu músculo irá contrair melhor ou pior, porque isso também depende do número de receptores. Se a oferta de zinco ou cálcio (dentre outros) aumentar para além da capacidade de absorção específica, a substância simplesmente não será utilizada da forma com que se pretende.
• O profissional da área não pode limitar seus conhecimentos aos procedimentos técnicos. Ele precisa conhecer ciência básica. Infelizmente, muitos ficam empenhados em ser um técnico de primeira linha e não se aprofundam na literatura. Muito “achismo” e pouca ciência.