Maria Geovânia Ferreira explica que, ao modificar as reconstituições, é possível maximizar ou minimizar o efeito da toxina botulínica em junções neuromusculares.
A toxina botulínica A (BoNT-A) é uma neurotoxina potente que inibe a liberação de acetilcolina. A diminuição na transmissão de impulsos neurais resulta em contração enfraquecida dos músculos subjacentes e, consequentemente, redução das rugas. O posicionamento preciso e a dose apropriada de injeção de BoNT-A são fundamentais para otimizar o resultado. Uma das considerações para a dosagem apropriada é o volume de reconstituição, que tem sido discutido amplamente entre os profissionais da Harmonização Facial.
Embora as toxinas mais diluídas possam parecer produzir uma contração melhor e mais rápida, na realidade elas proporcionam dosagens totais mais baixas, reduzindo a eficácia da toxina e a longevidade na prática clínica1. Sendo assim, a injeção de um volume maior de BoNT-A reconstituída permite um efeito de propagação mais amplo, atingindo a junção neuromuscular (NMJs) mais distante – e o inverso também é verdadeiro. Os injetores podem escolher desenvolver uma reconstituição padrão para sua toxina preferida, que forneça uma dose consistente e confiável de BoNT-A por volume, ou podem escolher variar a reconstituição de BoNT-A caso a caso. Como parte desses cálculos e considerações, deve-se contabilizar a distribuição ou disseminação de BoNT-A após a injeção. Resumindo, aumentar a quantidade de solução salina normal usada para reconstituir pode variar estrategicamente a sua propagação dentro de um músculo-alvo; ou seja, ao modificar a reconstituição, é possível maximizar ou minimizar o efeito da BoNT-A em NMJs. Os fatores de tamanho muscular e anatomia podem orientar a decisão do injetor de alterar a reconstituição de BoNT-A.
Também é possível ter locais de múltiplas injeções dentro de um músculo para entregar a BoNT-A para NMJs, produzindo uma paralisia discreta e de maneira controlada. Há dados promissores que sugerem que essa conclusão pode ser verdadeira, embora a evidência clínica ainda não tenha demonstrado esse efeito em humanos. A reconstituição aumenta a difusão da toxina na área de superfície, potencializando seu efeito, porém o impacto clínico disso mostrouse mínimo. Em crianças, por exemplo, o volume de diluição das injeções de BoNT-A produz algumas situações únicas devido ao seu baixo peso e volume muscular menor, além de apresentar um risco relativo e aumentar a disseminação para as estruturas circundantes. Alguns desses fatores podem atuar como princípios para orientar os injetores nas decisões sobre quantidade, reconstituição e técnica de localização a serem utilizadas na administração do produto. Assim, compreender o risco de injeções em estruturas anatômicas adjacentes específicas do local é extremamente importante2.
Alguns profissionais citam que o padrão de disseminação da toxina é alterado pela contração muscular nos locais injetados. Já outros acreditam que uma pequena quantidade de solução (concentração mais alta) é difícil de trabalhar, levando ao desperdício de material. No entanto, há aqueles que especularam e relataram que uma reconstituição mais alta (concentração mais baixa) incentiva a disseminação da toxina, o que pode ser indesejável. Com um volume maior, as áreas de difusão parecem aumentar, embora até o presente momento nenhum estudo controlado em humanos tenha verificado essa observação.
A estratégia ideal pode ser injetar toxina concentrada em um volume baixo para atingir grupos musculares menores, e volume maior para grupos musculares amplos, como o frontal. Para lidar com um volume menor de injeção sem desperdício, é preciso usar uma seringa adequada. Como o volume maior tem difusão para o tecido circundante, uma possível consequência é a diminuição da duração e da magnitude da paralisia. Algumas pesquisas demonstram que formulações mais diluídas têm duração de efeito mais curta, já outras argumentam que os volumes de reconstituição não fazem diferença na eficácia ou difusão (que está relacionada à dose).
Desta forma, a suposição foi que, quanto maior a concentração, maior a duração da ação. Alguns injetores descobriram que os resultados dessas grandes reconstituições têm vida curta e talvez apenas enfraqueçam, mas não eliminem completamente a contração dos músculos-alvo. No entanto, não há grandes estudos para apoiar essa hipótese.
Em contraste com alguns artigos, Carruthers e cols. não encontraram diferença no grau de melhora ou na taxa de recidiva ao variar a diluição de uma dose de 30 U de BoNT-A para a glabela. A diferença na injeção em um único grupo de músculos na testa (o músculo frontal) e na injeção em vários grupos musculares no terço superior (corrugador, prócero, orbicular dos olhos e depressor supercílio) pode ser responsável por essas diferentes observações. Neste estudo, foi observado um aumento de aproximadamente 50% na área, simplesmente aumentando cinco vezes o volume. Os resultados indicam que podemos adicionar outro nível de sofisticação ao uso da BoNT-A, variando o nível de precisão. Para tratar áreas confluentes maiores, como a testa, um volume maior pode ser usado para conseguir uma propagação mais ampla. Isso também significa menos injeções, o que é importante em pacientes avessos à dor. Por outro lado, volumes menores podem ser usados para tratar áreas funcionalmente sensíveis, por exemplo, ao redor dos olhos ou da boca, para evitar a difusão excessiva da toxina. O injetor também deve reconhecer que o padrão de contração muscular parece alterar a direção da difusão da toxina, portanto não é possível prever a forma da dispersão centrífuga resultante. É claro, no entanto, que a toxina não se espalha de forma circular e uniforme em uma muscultura3. Embora as diferenças nos eventos adversos relacionados ao tratamento não tenham sido significativas, são necessários mais estudos futuros4. Porém, a solução mais concentrada pode permitir menos dor, posicionamento mais preciso e diminuir a difusão.
Finalmente, pode-se concluir que a técnica do injetor desempenha um grande papel na difusão ou disseminação do produto, já que é influenciada pela técnica de injeção, velocidade de injeção, reconstituição, tamanho da agulha, dose e volume de BoNT-A. A injeção suave e lenta com agulha pequena é a preferida5. A dose ideal de toxina botulínica é a menor quantidade necessária para atingir um resultado predeterminado sem causar em efeito adverso. Uma desvantagem adicional em volumes maiores é o aumento do desconforto, pois precisará ser injetada uma maior quantidade de produto, que pode se espalhar para os músculos adjacentes não previstos para o tratamento6.
Referências
1. Wanitphakdeedecha R, Arisa Kaewkes A, Ungaksornpairote C, Limsaengurai S, Panich U, Manuskiatti W. The effect of botulinum toxin type A in different dilution on the contraction of fibroblast – in vitro study. J Cosmet Dermatol 2019;18(5):1215-23.
2. Davis T. Botulinum toxin injection, dilution confusion. The impact of toxin diffusion on clinical practice. J Pediatr Rehabil Med 2020;13(2):201-4.
3. Hsu TSJ, Dover JS, Arndt KA. Effect of volume and concentration on the diffusion of botulinum exotoxin A. Arch Dermatol 2004;140(11):1351-4.
4. Carruthers A, Carruthers J, Cohen J. Dilution volume of botulinum toxin type A for the treatment of glabellar rhytides: does it matter? Dermatol Surg 2007;33(1 Spec No.):S97-104.
5. Kaplan JB. The dilution confusion: easy dosing for botulinum toxins. Plast Surg Nurs 2016;36(1):24-7.
6. Francisco GE. Botulinum toxin dosing and dilution. Am J Phys Med Rehabil 2004;83(10 suppl.):S30-7.
Maria Geovânia Ferreira
Especialista em Prótese Dentária – UFU; Professora nas áreas de toxina botulínica, biomateriais preenchedores e anatomia.
Orcid: 0000-0002-0807-515X.