Matéria de capa da revista FACE avalia o mecanismo de ação de diferentes produtos estimuladores de colágeno para o rejuvenescimento facial.
Nesta matéria
– O mecanismo de ação de diferentes produtos estimuladores de colágeno.
– As especificações técnicas de uso de hidroxiapatita de cálcio, ácido poli-L-láctico e policaprolactona.
Por Maristela Lobo,
Roger Kirschner e Márcia Viotti
Durante a última década, houve um progresso substancial na compreensão dos mecanismos que promovem o envelhecimento da pele humana. Uma característica importante da pele envelhecida é a fragmentação da matriz dérmica de colágeno – evento responsável pela perda da integridade estrutural e pelo comprometimento da função dos fibroblastos –, que resulta de ações de enzimas específicas (metaloproteinases) observadas no envelhecimento intrínseco e extrínseco1. Os fibroblastos que produzem e organizam a matriz de colágeno não podem se ligar ao colágeno fragmentado e, subsequentemente, colapsam. Na pele envelhecida, os fibroblastos colapsados produzem baixos níveis de colágeno e altos níveis de enzimas que degradam o colágeno. Uma vez perdida uma quantidade crítica de colágeno, esse desequilíbrio avança o processo de envelhecimento em um ciclo deletério que não termina2.
Adicionalmente, a perda do volume facial – pela combinação de frouxidão tecidual, reabsorção óssea e atrofia gordurosa – desempenha um papel importante no envelhecimento. A gordura da face é compartimentada e cada compartimento individual envelhece em um ritmo diferente no mesmo indivíduo. Um rosto jovem é caracterizado por uma transição suave e invisível entre esses compartimentos de gordura, mas a idade traz mudanças de contorno devido às perdas de volume e ao reposicionamento dos tecidos, levando ao desenvolvimento de cavidades3-5. Em conjunto, as alterações de pele e volume que ocorrem com o envelhecimento mudam gradualmente o formato do rosto, passando de um rosto caracteristicamente jovem, cheio, macio, suave e oval para um dominado por flacidez e sombras, e com uma aparência mais quadrada.
Os bioestimuladores de colágeno têm um papel importante na restauração do volume facial perdido, pois exercem seu efeito estético ao promover a neocolagênese, volumizando os tecidos de maneira gradual e progressiva. O mecanismo de ação de todos os dispositivos estimuladores de colágeno atualmente disponíveis no mercado (ácido poli-Lláctico, hidroxiapatita de cálcio, policaprolactona, dentre outros) começa com uma resposta inflamatória subclínica do tecido após o implante (inflamação granulomatosa subclínica), seguida de encapsulamento e fibroplasia, a qual produz o efeito desejado. É provável que a produção de novo colágeno, demonstrada por microscopia eletrônica, ocorra devido ao efeito de estiramento mecânico da pele após o reequilíbrio da produção e da degradação do colágeno6.
A pessoa que deseja uma “solução rápida” para um evento futuro, como reunião ou casamento, pode ficar mais satisfeita com um agente que fornece resultados imediatos. Os resultados ideais, previsíveis e reprodutíveis são melhor facilitados por previsão cuidadosa (seleção de pacientes), planejamento (análise e mapeamento facial) e realização (preparações e injeção adequadas de produtos) de maneira informada. É útil avaliar primeiro a face em termos da integridade de cada tecido estrutural – pele, gordura, músculo e osso. Em seguida, observar as alterações morfológicas – forma, proporções e topografia da face. Não se deve concentrar-se apenas em “linhas e dobras”, mas considerar todas as mudanças estruturais na face e a interdependência entre elas: olhar para todo o rosto como um quebra-cabeça conectado em 3D, em que consumir ou adicionar volume poderá ter um impacto negativo ou positivo. A análise facial, portanto, é um processo de observação e palpação, provocação que permite determinar a natureza e a extensão das alterações do tecido estrutural que envelhecem o rosto naquele momento específico. Não é uma “receita”, mas sim uma “leitura”. Um ponto importante a ser observado é que um rosto com pele muito flácida é difícil de volumizar com gordura ou preenchimentos, e pode necessitar de uma quantidade substancial de produto para alcançar um resultado desejável.
As diferenças técnicas entre o uso de bioestimuladores e preenchedores são simples e diretas, mas são extremamente importantes para o uso seguro e bem-sucedido desses produtos. Como os agentes bioestimuladores empregam a reação do hospedeiro, os efeitos não são imediatos e frequentemente necessitam de mais de uma sessão de aplicação para recompor o volume de uma mesma área. A escolha das áreas faciais a serem injetadas com bioestimuladores depende da extensão das mudanças observadas em cada camada estrutural e da paridade dessas mudanças entre as camadas. Um paciente jovem com lipoatrofia grave por causa do vírus HIV, por exemplo, é um “problema de tecido único”, apenas necessitando de volumização de compartimentos vazios de gordura. A maioria dos pacientes, entretanto, tende a perder um pouco de volume em todas as camadas estruturais do tecido. Obviamente, todos os terços do rosto devem ser abordados para obter um resultado natural.
Ácido poli-L-láctico (PLLA): Sculptra
O PLLA é um polímero sintético de ácido lático, reabsorvível e inerte imunologicamente, produzido pela bactéria Streptococcus lactis por meio da fermentação da dextrose de milho. Derivado da família alfa-hidroxiácido, foi descoberto em 1954 e, assim como os preenchedores, nasceu para tratar os pacientes com HIV que tinham aspecto facial cadavérico. Em 2004, foi o primeiro agente preenchedor aprovado pela agência de regulamentação norte-americana Food and Drug Administration (FDA) para tratamento em pacientes com lipoatrofia facial associada ao Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Em 2009, foi aprovado para tratamento com fins estéticos em pacientes imunocompetentes.
Depois de aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2005, mais de 150 mil pacientes foram tratados, em mais de 30 países até 2006. No Brasil, o produto está disponível para uso há cerca de 14 anos, para tratamento em lipoatrofias associadas ao HIV e off label com finalidade estética. Em 2015, o PLLA passou a ser distribuído pela Galderma, embora seja produzido pela empresa farmacêutica Sanofi -Aventis. Quando injetado entre o tecido subcutâneo e a derme, produz inflamação subclínica imperceptível, ou seja, não produz sinais flogísticos de inflamação. Se estiver próximo à derme, estimula a neocolagênese (o objetivo é produzir o colágeno tipo I); se estiver próximo ao osso, estimula a formação óssea. Trata-se de um “fermento”.
O produto injetável desta categoria atualmente disponível no mercado brasileiro é o Sculptra (Dermik Laboratories, Sanofi -Aventis – Bridgewater/NJ, EUA), distribuído pela Sinclair. Ele é fornecido como um póliofilizado em um frasco de vidro estéril contendo manitol não pirogênico, carboximetilcelulose de sódio e micropartículas de PLLA medindo de 40 micrômetros a 63 micrômetros de diâmetro. Esse tamanho de partícula é suficiente para evitar a fagocitose por macrófagos dérmicos ou a passagem através das paredes capilares, ao mesmo tempo em que pode ser facilmente injetada por agulhas tão finas quanto o calibre 267.
Atualmente, o PLLA é o único enchimento no mercado aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para durar até 25 meses. Existem alguns detalhes técnicos que devem ser respeitados durante o uso desse produto:
• Reconstituições – facial: 10 ml (8 ml de soro 48 horas antes da aplicação e 2 ml de lidocaína 2% sem vasoconstritor no dia da aplicação). Pescoço, colo e mãos: 12 ml (8 ml de soro 48 horas antes da aplicação, 2 ml de soro no dia da aplicação e 2 ml de lidocaína 2% no dia da aplicação);
• Não agitar;
• Armazenar em temperatura ambiente dentro da caixa;
• Diluições com tempos menores do que 24 horas estão relacionadas à ocorrência de pápulas e nódulos;
• Deve ser utilizado em até 72 horas após a reconstituição;
• Aplicar o produto com agulha 26G ou cânula 23G na área desejada;
• Retroinjeção de 0,1 ml a 0,2 ml por ponto e angulação de 30º da agulha em relação à pele. Aplicações em “X” no subcutâneo estimulam mais. Técnica linear e em leque no subcutâneo, no pescoço e nas mãos;
• Aspirar previamente;
• Parar de injetar antes de tirar a agulha, para não superficializar o produto;
• Áreas de movimento muscular hiperdinâmico devem ser evitadas. Jamais injetar na região inferior do músculo orbicular do olho, no modíolo ou no depressor do ângulo oral, pois o movimento muscular nessas áreas aglomera o produto, levando à sobrecorreção localizada e formação de grânulos;
• Não deve ser aplicado na região frontal ou na zona “T”;
• Aguardar um tempo mínimo de quatro a seis semanas entre as aplicações;
• Massagear a cada duas ou três injeções e novamente no final do tratamento. Os pacientes devem ser instruídos a massagearem a área durante os cinco dias seguintes a cada sessão de tratamento, usando a “regra dos 5s” (cinco minutos, cinco vezes ao dia, durante cinco dias);
• Duração máxima do tratamento: quatro meses (em média, três sessões);
• Permite a associação com outros procedimentos, tais como radiofrequência, lasers e carboxiterapia.
Hidroxiapatita de cálcio (CaHA): Radiesse
A hidroxiapatita de cálcio é utilizada em Otorrinolaringologia, Odontologia e Radiologia há muitos anos, mas atualmente está ganhando popularidade na estética facial em forma do produto Radiesse (Merz Pharmaceuticals GmbH – Frankfurt, Alemanha), usado para repor o volume perdido na face média e inferior, além de restaurar uma mandíbula suave e jovem, especialmente no terço inferior da face.
O Radiesse foi aprovado pelo FDA no final de 2006 para uso no tratamento de rugas moderadas a graves, como rítides nasolabiais, e no tratamento da lipoatrofia facial associada ao vírus HIV. Antes dessas duas aprovações, outras indicações incluíam restauração das pregas vocais, marcações radiográficas e tratamento da incontinência urinária de esforço (em uma formulação de partículas maiores). Além das rugas nasolabiais e da lipoatrofia, seu uso tem sido descrito para correção da face média, principalmente na região infraorbital, e para o aumento malar e submalar8-9. O manejo desse produto na face inferior está bem documentado, sobretudo em sulcos nasolabiais, mentolabiais, comissuras orais, linhas de marionete, projeção do mento e definição de ângulo mandibular10-11.
Em sua preparação comercial para o mercado estético, o produto consiste em microesferas de 25 μm a 45 μm de CaHA sintética, suspensas em gel aquoso composto por água, glicerina e carboximetilcelulose, na proporção de 30% de microesferas e 70% de formulação de gel em volume. O gel distribui uniformemente as microesferas de CaHA à medida que são injetadas e se dissipam dentro de algumas semanas, embora permaneçam no local da injeção até se degradarem em íons cálcio e fosfato através de vias metabólicas normais. As microesferas têm uma forma suave e são idênticas em comparação ao componente mineral do osso e dos dentes humanos. Portanto, são inertes e não antigênicas, o que dispensa testes cutâneos antes da administração. Quando injetada no tecido subcutâneo, a hidroxiapatita de cálcio induz neocolagênese pela resposta histiocítica e fibroblástica local, que resulta na produção de novo colágeno em torno das microesferas12-13. O Radiesse não requer refrigeração, tem um prazo de validade de três anos e está disponível em seringas pré-cheias de 0,3 ml e 1,3 ml. O produto é um material espesso, viscoso e branco, que é suavemente injetado com uma força um pouco maior do que a necessária para os ácidos hialurônicos reticulados.
As hidroxiapatitas são uma classe de compostos químicos relacionados que compartilham a fórmula química Ca10(PO4)6(OH)2, mas variam consideravelmente em sua macroestrutura tridimensional e em seu comportamento biológico14. Os metabólitos da CaHA são íons cálcio e fosfato, ambos normalmente presentes no corpo. Como pode ser previsto a partir desses produtos de degradação, os estudos sobre a CaHA in vitro e in vivo demonstraram resposta inflamatória mínima ou inexistente, nenhuma reação granulomatosa de corpo estranho ou célula gigante e nenhuma toxicidade sistêmica15. Existem alguns detalhes técnicos que devem ser respeitados durante o uso desse produto:
• A CaHA não se destina à injeção superficial ou às áreas altamente móveis, como lábio ou acima da borda orbital, onde o acúmulo de material da contração muscular pode resultar na formação transitória de nódulos;
• É contraindicada na região glabelar para a correção das linhas de expressão;
• Se possível, todos os agentes para afinar o sangue (por exemplo, aspirina, varfarina, dipiridamol, clopidogrel, NSA-IDs, óleo de peixe, suplementos de vitamina E, erva de São João, comprimidos de alho, ginkgo biloba e ginseng) devem ser evitados a partir de uma semana antes do procedimento, para reduzir hematomas;
• O tratamento de áreas que previamente receberam preenchedores de longa duração deve ser evitado;
• A CaHA é injetada com agulha 27G ou microcânula 25G ou 27G, de comprimentos variáveis;
• Como a CaHA geralmente se encontra em um plano cutâneo ou subdérmico profundo, não é afetada por tratamentos de superfície;
• A terapia combinada com toxina botulínica tipo A e CaHA pode aumentar a duração do efeito. Recomenda-se começar com a toxina botulínica e aguardar pelo menos duas semanas até que ocorra um efeito, antes de prosseguir com a CaHA;
• O protocolo típico para os cuidados pós-procedimento envolve a colocação imediata de gelo nas áreas injetadas, para reduzir e limitar o edema e os hematomas nos tecidos. O paciente deve ser aconselhado a não massagear ou manipular as áreas tratadas por pelo menos 24 horas, pois isso pode perturbar a posição do material de preenchimento. A exposição ao sol ou calor extenso deve ser minimizada por aproximadamente 24 horas ou até que qualquer inchaço e vermelhidão iniciais sejam diminuídos.
Policaprolactona (PCL): Ellansé
Além de CaHA e PLLA, que têm um perfil próprio de eficácia e longevidade, um novo preenchimento estimulador de colágeno biodegradável foi recentemente introduzido no mercado estético, sendo composto por microesferas de policaprolactona sintética (PCL) a 30%, com tamanho de 25 μm a 50 μm – portanto, protegidas da fagocitose – e gel de carboximetilcelulose (CMC) aquoso a 70% (Ellansé Aqtis Medical, Sinclair – Utreque/Holanda). Sua longevidade ajustável e exclusiva fornece ao preenchimento dérmico durações variáveis por até quatro anos (Ellansé-S: um ano; Ellansé-M: dois anos; Ellansé-L: três anos; e Ellansé-E: quatro anos), portanto é ideal para quem busca resultados duradouros. O Ellansé oferece vantagens notáveis em relação aos preenchimentos à base de PLLA, na medida em que os resultados são imediatamente visíveis, e aos preenchimentos à base de HA e CaHA, graças à estabilidade e duração dos resultados16.
Os resultados também mostram que as partículas de PCL permanecem bem localizadas na camada dérmica, onde são inicialmente injetadas. Isso indica que não acontece a migração tecidual das partículas de PCL. A presença de alguns histiócitos ao redor das esferas do PCL representa uma leve resposta inflamatória do tecido. A biodegradação e biossorção da PCL ocorrem via hidrólise das ligações éster, levando aos produtos finais CO e OH, que são totalmente eliminados do corpo17-19.
Enquanto o gel de CMC é gradualmente reabsorvido pelos macrófagos em seis a oito semanas, as microesferas de PCL estimulam a neocolagênese20-21. A deposição de colágeno recém-sintetizado em torno das microesferas de PCL foi demonstrada por análise histológica e histoquímica de biopsias de pele de animais tratados, mostrando que o colágeno tipo I se torna progressivamente predominante sobre o colágeno tipo III, alcançando resultados qualitativos anteriores e superiores aos de outros produtos reabsorvíveis com efeito duradouro. O efeito estimulador do colágeno foi recentemente confirmado em seres humanos em biopsias de pele de indivíduos tratados.
Pacientes que apresentam doenças autoimunes, gravidez, amamentação, uso de esteroides, diabetes descontrolado, síndrome plurimetabólica, quaisquer sinais de infecção na área tratada, herpes ativo e distúrbios de coagulação e/ou sangramento não devem ser tratados com bioestimuladores. Existem alguns detalhes técnicos que devem ser respeitados durante o uso desse produto:
• Recomenda-se a colocação subcutânea ou supraperiosteal da PCL, em retroinjeção linear, leque ou hachura cruzada. O bólus exige que pequenas quantidades (não superiores a 0,2 ml) sejam injetadas para criar um gradiente de baixa pressão. A área tratada deve ser massageada suavemente imediatamente depois, para garantir uma distribuição uniforme;
• A região temporal deve ser abordada a partir da linha do cabelo ou da crista temporal. O plano ideal de injeção é em uma área relativamente avascular entre a fáscia temporal superficial e a camada superficial da fáscia temporal profunda, usando uma microcânula de 22G ou 25G para cobrir toda a área.
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Maristela Lobo
Doutora em Dentística e mestra em Cariologia – FOP/Unicamp; Especialista em Periodontia – EAP/APCD; Professora horista dos cursos de pós-graduação em Odontologia Estética e especialização em Implantodontia – Centro Universitário Senac; Master em Toxina e Preenchimento – Marc Institute (Miami/EUA).
Orcid: 0000-0003-0595-8851.
Roger Kirschner
Mestre e especialista em Prótese Dentária, e especialista em Periodontia – SLMandic; Especialista em Implantodontia – FMU; MBA em Visagismo – Universidade Estácio de Sá.
Orcid: 0000-0002-9589-6094.
Márcia Viotti
Especialista em Dentística – Unicastelo; Habilitada em Harmonização Orofacial e anatomista – Marc Institute (Miami/EUA); Anatomista – Instituto Altamiro Flávio; Professora em cursos livres de Harmonização Orofacial.
Orcid: 0000-0003-0150-3796.