A supervalorização da imagem pessoal é uma das características mais marcantes do comportamento contemporâneo. Nunca houve tanta exposição da imagem humana como nos dias atuais, em que cada pessoa tem acesso fácil e instantâneo às câmeras fotográficas de seus smartphones e, através de conexão constante à internet, publicam uma grande quantidade de fotografias próprias nas diversas redes sociais. As pessoas têm consciência da influência de sua imagem em vários aspectos de suas vidas, como o profissional, o social e o amoroso, e buscam influenciar positivamente a percepção dos outros sobre si. Assim, tem-se percebido uma crescente procura por procedimentos que promovam a beleza pessoal, especialmente aqueles relacionados à face. A busca pela beleza facial se tornou uma obsessão coletiva moderna.
Mas o que é beleza, afinal? Pode-se aceitar uma aparência física agradável e padronizada como bela?
As primeiras investigações sobre a beleza humana começaram na Grécia Antiga. Filósofos, matemáticos e artistas buscaram explicá-la a partir de seus respectivos pontos de vista. Para os gregos da Antiguidade, a beleza, a verdade e a bondade representavam valores supremos que permitiam aos homens acessarem o divino.
O conceito Clássico de beleza humana se fundamentava tanto em princípios e parâmetros matemáticos responsáveis pela harmonia visual dos elementos físicos, como a proporção áurea entre elementos faciais, quanto em qualidades da alma e do caráter pessoal, como a bondade e a autenticidade. Tal ideal humanista foi sintetizado no termo “kalokagathia”, do grego “kalos kai agathos” que significa, literalmente, “belo e virtuoso”.
As magníficas esculturas humanas do período Clássico representam a materialização desse ideal de beleza. Os fundamentos da beleza clássica, de tão sólidos, representaram através dos tempos uma fonte de inspiração para artistas, como os mestres do Renascimento e do Neoclassicismo, e também diretrizes para a prática de disciplinas médicas dedicadas ao aprimoramento da imagem facial.
O sorriso padronizado
No entanto, na atualidade, a prática clínica de tais disciplinas tem se apegado exageradamente a regras, normas e parâmetros estéticos, em detrimento da individualidade. Tal abordagem tem gerado resultados padronizados, opacos e distantes da essência pessoal, o que os aproxima mais de uma estética superficial e vazia do que da verdadeira proposta do ideal clássico de beleza. Seria justo proceder de tal maneira exatamente na face humana, fonte incontestável da nossa identidade?
Na Odontologia Estética, por exemplo, nota-se a insatisfação de alguns pacientes quanto a sorrisos criados ao rigor das normas estéticas. Tais pacientes afirmam não reconhecerem tais sorrisos como seus. Infelizmente, é comum ouvir dos clientes: “Doutor, o trabalho ficou bonito, eu sei, mas o resultado me causa estranheza quando me vejo no espelho ou em fotografias”.
Essas situações são embaraçosas para os cirurgiões-dentistas. Nesse momento, eles respondem ao paciente dizendo que ele acabará se acostumando com a nova imagem, ou que suas expectativas quanto ao resultado do tratamento são irreais.
Esse tipo de problema enfrentado por alguns pacientes acontece pela falta de conexão entre a expressão visual do sorriso criado e a identidade do paciente, o que pode gerar desconforto psicológico. A beleza de cada ser humano é única, assim como seus traços faciais e sua personalidade. Todas essas características devem ser consideradas na elaboração do plano de tratamento.
Sabe-se hoje que transformações no desenho facial, dentre as quais se incluem os trabalhos de Odontologia Estética e Harmonização Orofacial, geram consequências psicológicas e emocionais nos pacientes, afetando sua autoimagem, sua autoestima e seu comportamento.
Entendendo e aplicando o conceito VIS
O conceito de Identidade Visual do Sorriso – do inglês Visual Identity of the Smile (VIS) – refere-se ao processo de smile design, podendo ser estendido à prática da Harmonização Orofacial. Trata-se da associação entre os consagrados princípios biológicos, funcionais e estéticos aos elementos da identidade pessoal para a elaboração de sorrisos.
Assim, a partir das ferramentas disponibilizadas pela Odontologia Estética e pela Harmonização Orofacial, o VIS propõe transformações orofaciais que sejam compatíveis com a representação visual da individualidade dos pacientes, conforme suas aspirações, para alcançar patamares mais elevados em diferentes esferas de suas vidas.
Para que tal resultado seja possível, o VIS propõe aos cirurgiões-dentistas e técnicos em Prótese Dentária a compreensão e o uso consciente dos elementos de linguagem visual artística, como as linhas, as formas e as cores na customização dos tratamentos estéticos. O estudo do VIS está fundamentado na linguagem visual artística, na percepção visual e no reconhecimento facial, na perspectiva da psicologia cognitiva, na biologia evolutiva e nos consagrados princípios e parâmetros estéticos dentofaciais.
Os elementos de linguagem visual possuem expressões emocionais específicas e, por serem percebidos inconscientemente, representam os elementos básicos de uma comunicação não verbal ancestral. Assim, formas geométricas despertam sensações distintas e universais, como força e estabilidade para a forma retangular, ou delicadeza e suavidade para o formato oval. Esse conhecimento pode ser útil nos processos de smile design e facial design quando associado aos tipos básicos de personalidade, de forma que se pode redesenhar sorrisos e faces com expressões visuais coerentes com as principais características psicológicas de cada paciente, sem deixar, no entanto, de respeitar sua fisionomia única.
Certamente alinhado com uma das mais fortes tendências mundiais, a da customização de produtos e serviços, o conceito VIS acenderá o debate acerca dos impactos psicocomportamentais dos tratamentos odontológicos estéticos e buscará colaborar na construção de uma Odontologia mais humanizada.
Bráulio Paolucci Pioneiro do Visagismo na Odontologia; Especialista em Implantodontia – Universidade de Lavras/MG, Master in Implantology and Oral Rehabilitation – Universidade de Paris. |