Entrevista: Liliana Seger debate a obsessão pela beleza
Imagem: Shutterstock (Arte: Miriam Ribalta)

Entrevista: Liliana Seger debate a obsessão pela beleza

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O perfil psicoemocional do paciente é um importante componente no dia a dia do profissional que realiza procedimentos estéticos. Como lidar com expectativas inatingíveis e distorções de percepção?

Existe uma grande diferença entre o que o paciente pede e aquilo que ele realmente precisa. Por isso, profissionais que atuam no segmento de estética sabem que gerenciar expectativas é uma parte importante de seu trabalho, embora nem sempre seja possível lidar com os mais ansiosos.

Enxergar o paciente por dentro e compreender suas motivações é tão importante quanto enxergá-lo por fora. Do ponto de vista psicológico, a aparência física ainda é muito associada ao sucesso, que por sua vez está associado à felicidade. Por isso, as pessoas projetam como solução para suas frustrações mudanças em seu corpo.

Para entender melhor como lidar com o perfil psicoemocional dos pacientes, a equipe da revista FACE conversou com a psicóloga Liliana Seger, autora do livro “Psicologia & Odontologia – Uma abordagem integradora”. Confira a entrevista.

FACE – Qual o principal perfil psicológico dos pacientes que procuram procedimentos faciais que ofereçam benefícios estéticos como objetivo principal?
Liliana Seger – Não existe um perfil psicológico específico para os pacientes que buscam procedimentos estéticos, mas existem sinais que devem ser observados. Alguns deles procuram uma solução para uma marca ou característica física que os incomodam. Outros buscam por uma satisfação interna que acreditam que pode ser obtida com a realização daquele procedimento.

Também há aqueles pacientes que querem ficar parecidos com personalidades famosas ou influentes, imaginando que se ficarem parecidos também se sentirão felizes, reconhecidos, vistos ou amados. Note que, quase sempre, essas personalidades também passaram por procedimentos estéticos.

É muito importante que o profissional dedique algum tempo de sua anamnese para tentar entender quais as expectativas de seu paciente e verifique se são reais ou irreais.

FACE – Um procedimento ou um conjunto de procedimentos estéticos pode mudar a percepção visual de uma pessoa que se acha feia? É uma questão física ou psicológica?
LS –
É claro que os procedimentos estéticos podem melhorar a aparência das pessoas. A mudança que ocorre com uma alteração estética dos dentes, pode influenciar muitíssimo na autoestima, por exemplo. É como, por exemplo, quando os pacientes começam a se comportar de forma extrovertida depois de passar por um procedimento que lhe deu um belo sorriso. Porém, existem casos que precisam de acompanhamento, como os casos de Transtorno Dismórfico Corporal (TDC). Por isso, é tão importante avaliar os pacientes antes de iniciar qualquer procedimento.

FACE – Fale mais sobre o TDC. Quais seriam as pistas clínicas que o paciente pode apresentar e que alertariam o profissional sobre uma possível patologia psicológica relativa à autoimagem?
LS –
O TDC pode ser mais prevalente do que se imagina em pacientes que se submetem a procedimentos estéticos, cirúrgicos ou não. Uma revisão recente na literatura encontrou uma prevalência de 13,2% em pacientes de cirurgia estética. Apesar dos casos serem frequentemente subdiagnosticados ou subnotificados nos Estados Unidos, acredito que, certamente, no Brasil, teríamos números ainda maiores, dado que cada vez mais pessoas estão recorrendo a procedimentos estéticos dos mais variados. De acordo com as estatísticas anuais da Sociedade Americana de Cirurgia Plástica Estética, mais de 15 milhões de procedimentos estéticos cirúrgicos e não cirúrgicos foram realizados nos EUA em 2015, com um aumento significativo em relação a 2014. Esse aumento gera também um maior número de pacientes com expectativas muitas vezes irrealistas.

Sabemos que os reality shows, e todo tipo de propaganda, costumam incentivar as pessoas e levá-las a acreditar que tudo é possível. Os campos da estética e da cosmiatria atraem cada vez mais uma população bastante diversificada, incluindo diversos grupos etários, etnias e identidades de gênero. Os pacientes com TDC, além de expectativas irrealistas, têm percepções das falhas distorcidas, mesmo com um resultado positivo do procedimento.

FACE – E como é possível identificar tais pacientes?
LS –
O DSM-5, que é o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, classifica o TDC como um transtorno obsessivo-compulsivo ou relacionado, e fornece quatro critérios para o diagnóstico:

1 – Preocupação com um ou mais defeitos percebidos ou falhas físicas, cuja aparência não é observável socialmente, ou parecem leves ou pequenas para os outros;
2 – Comportamentos repetitivos – por exemplo, verificação de espelho, limpeza excessiva, beliscar a pele –; ou atos mentais, como comparar sua aparência com a de outros;
3 – Preocupação que causa sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo em aspectos sociais, ocupacionais ou outras importantes áreas de funcionamento;
4 – Preocupação de aparência não é melhor explicada por preocupações com gordura corporal ou peso em um indivíduo cujos sintomas preenchem critérios diagnósticos para um transtorno alimentar.

Entendendo melhor os sinais de alerta: pacientes que se concentram em um defeito mínimo ou inexistente para o observador objetivo; que fazem um detalhamento excessivo da falha ou, ao contrário, aqueles que não conseguem descrever o que exatamente querem melhorar; e também pessoas que fazem verificações constantes de espelho, são possíveis portadores do TDC.

Às vezes, o defeito é em uma ou em várias partes do corpo. As queixas mais comuns são aqueles percebidos na pele, nos cabelos, nos olhos, no nariz e nos dentes, explicando a razão pela qual esses pacientes buscam tratamento por dermatologistas, dentistas cosméticos, ortodontistas e cirurgiões plásticos. A importância de uma avaliação correta ajuda os profissionais a identificar uma série de problemas que, se forem diagnosticados precocemente, ajudam a minimizar muitas complicações.

Alguns dos seguintes comportamentos podem ser vistos como sinais de alerta para suspeitas de TDC:

• Pacientes que têm pedidos excessivos de cirurgias ou procedimentos estéticos;
• Pacientes que relatam insatisfação com os resultados de cirurgias anteriores;
• Pacientes muito críticos e exigentes em relação ao cirurgião ou ao pessoal, com expectativas irrealistas em termos de resultados estéticos, expectativas de que o procedimento cosmético seja a solução para problemas em outras áreas da vida.

Em geral, os pacientes com TDC tendem a apresentar piora dos sintomas e, eventualmente, tornam-se mais afetados por sua doença após a intervenção, muitas vezes concentrando-se em outras áreas do rosto ou do corpo. Na maioria dos casos, o tratamento em um paciente com TDC mostrará um paciente infeliz, independentemente do resultado cirúrgico verdadeiro, já que o paciente continuará a perceber o defeito como presente ou até mesmo o verá de forma exacerbada.

FACE – Em sua opinião, quais fatores podem ter mais influência sobre o desejo estético dos pacientes?
LS –
O desejo estético e a beleza corporal têm se tornadoalgo a ser conquistado por cada vez mais pessoas e influenciado por inúmeras variáveis. A mídia constrói realidades efêmeras, ou seja, aparências irreais e passageiras que parecem perfeitas e fáceis de atingir com alguma determinação.

Por outro lado, quem não se vê com essa beleza pronta e massificada, sente-se culpado e responsabilizado por não levar a vida e os hábitos dos “perfeitos”. A pessoa sente que tem que ter esse corpo ou o sorriso igual a da artista do momento e não leva em consideração a própria anatomia ou mesmo a constituição. Existe toda uma indústria de produtos e serviços que se alimenta desses padrões fabricados pela mídia. Felizmente, já existem profissionais que reconhecem que o padrão ou o sorriso mais bonito para esse paciente tem que ser personalizado e foge do estereótipo. Nossa aparência é uma das formas de nos apresentarmos e nos representarmos no mundo. Certamente essa representação não se limita apenas à aparência física, mas a primeira impressão é sempre visual. Somos, sem dúvida, avaliados e julgados pela nossa estética visual, que acaba criando um pré-julgamento de quem somos e como somos. Esse é um dos fatores que levam tantas pessoas a procurar por um determinado padrão de beleza, mas apesar disso, é evidente que a avaliação estética não está reduzida à dicotomia entre o bonito e o feio, e que existem inúmeras variáveis nessa avaliação.

Vale ressaltar, no entanto, que já é possível ver algumas mudanças comportamentais, uma vez que alguns profissionais e pacientes estão em busca de romper com os padrões de beleza predeterminados. Algumas pessoas estão empenhadas em assumir cada vez mais as suas personalidades, exaltando-as por suas roupas, seus cabelos e sua indumentária, de acordo com seus próprios desejos e buscando peças que verdadeiramente condizem com as suas crenças, gostos e propósitos. Todavia, nas questões da estética facial e corporal, ainda temos um longo caminho a percorrer.

É extremamente importante a posição de alguns profissionais que conseguem ajudar os pacientes a terem um sorriso adequado, que tenha mais a ver com a estrutura facial do paciente do que com o sorriso da apresentadora do programa matinal.

É importante salientar que a pressão pela estética ideal atinge a todos, porém de forma mais ou menos intensa. O padrão de beleza tem relação com a cultura e com o desejo de ser aceito socialmente. Os aspectos emocionais também interferem, dependendo da fase de vida, do cargo ou da posição social, isso pode levar pessoas a se sentirem obrigadas a fazer parte de um grupo com determinadas características valorizadas socialmente. Muitos profissionais acabam realizando procedimentos estéticos que eles não consideram adequados, mas os fazem pela insistência do paciente.

Em relação à mídia, existe uma mudança de perfil de comportamento dos jovens. Em outras épocas, eles olhavam as capas de revista como fonte de inspiração, mas de certa forma consideravam aqueles modelos inatingíveis. Atualmente, as celebridades postam selfies em momentos íntimos e comentam abertamente sobre os procedimentos estéticos que realizaram, muitas vezes citando o profissional que executou tal procedimento. Esse comportamento nas redes sociais cria uma proximidade entre os espectadores e a celebridade e gera um senso de identificação: “Se ela pode, e fica tão bem, eu também posso…”. Essa identificação aumenta significativamente a procura por esses procedimentos estéticos.

FACE – O combate ao envelhecimento, em sua opinião, é saudável?
LS –
Atenuar ou melhorar os aspectos do envelhecimento pode ser saudável se o paciente se sente incomodado. Porém, todo excesso tem que ser avaliado cuidadosamente.

FACE – Muitos pacientes procuram por intervenções estéticas em momentos difíceis de sua vida, como uma separação ou crise matrimonial, por exemplo. O que você pensa sobre isso?
LS –
Muitos pacientes acreditam que ao melhorar a aparência, melhorarão a autoestima, e isso realmente pode ajudar. Não há problema nisso. Contudo, como sempre digo, se a melhoria for somente externa, um rosto bonito não significa que a pessoa não esteja quebrada por dentro.

FACE – A que você se refere quando utiliza o termo “amores líquidos”? Esse termo pode ser aplicado aos procedimentos dentais e faciais? Como?
LS –
“Amores líquidos” significa que as nossas relações estão se tornando cada vez mais frágeis, mais flexíveis, gerando níveis de insegurança cada vez maiores. Com os relacionamentos mais frágeis, é cada vez maior a dificuldade em formar vínculos, laços duradouros. Qualquer dificuldade ou problema é motivo para uma mudança de parceiro, de trabalho, profissional etc.

O imediatismo é cada vez mais presente, as pessoas procuram soluções rápidas, imediatas e que não demandem esforço. Obviamente, não pensam nas consequências futuras, acabam não tendo persistência e, é claro, não têm resiliência e nem resistência à frustração.

As pessoas acreditam cada vez mais em verdades absolutas e modismos e depois, como não há uma avaliação do futuro, cada vez mais as ações se tornam impulsivas, levando a uma maior frustração. Os profissionais que não correspondem a essas expectativas – na maior parte do tempo irreais – acabam sendo abandonados e substituídos por outros.

FACE – Um dos problemas que percebemos, no dia a dia clínico, refere-se às sensações dos pacientes. Muitas vezes, sentem-se inchados muito tempo após um procedimento, mesmo quando já não existe evidência clínica de tal edema. Também há casos em que o paciente sente que o dente está desnivelado após uma restauração, quando já foi feito um correto ajuste de oclusão. Existe alguma condição psicológica que explique tal situação?
LS –
Muitas vezes, pacientes que estão vivendo períodos de distress, que é o estresse crônico, podem apresentar uma hipersensibilidade emotiva – o que os levam a reagir com mais intensidade a pequenas situações. Uma dor leve pode ser sentida de forma mais intensa. Pacientes que estão deprimidos costumam sentir maior irritabilidade e, dessa forma, ficam mais incomodados e reagem de forma mais intensa às modificações corporais, faciais etc. Nesses momentos de hipersensibilidade, é importante respeitar e deixar para avaliar a oclusão em outro dia.

Quando percebemos que o comportamento se mantém, é importante conversar, mostrar que percebemos que o paciente está mais sensível e, com muito tato, indicar uma avaliação com um profissional de saúde mental. Um profissional que reconhece a importância dos aspectos psicológicos saberá encaminhar, eliminando ideias pré-concebidas e estigmas. Quando encaminhamos com convicção, o paciente normalmente reconhece e agradece.

Liliana Seger

Mestre em Psicologia Experimental e Doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo; Coordenadora da Psicologia – PROAMITI; Especialista em Psicologia Clínica e em Psicologia Hospitalar – CRP 06; Especialista em terapia cognitivo-comportamental.