Abordagem interdisciplinar: a face, entre a cruz e a espada

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Por Oswaldo Scopin de Andrade e Messias Rodrigues

No último mês de janeiro, a Odontologia estava em festa! O Congressão estava lotado. As empresas comemoravam a movimentação nos estandes; as filas para pasta de dente cada vez maiores e os profissionais esperançosos com “a nova economia” e com “os novos tempos”.

Neste momento começam a circular duas ótimas notícias: o Conselho Federal de Odontologia finalmente autorizou, com ressalvas e bom senso, o “antes e depois” nas mídias sociais. Adicionalmente, o CFO reconheceu a Harmonização Orofacial como especialidade odontológica. Pronto, temos o ano perfeito e todos estão felizes!

Mas eu ainda estou preocupado…

Sempre considerei que a face era uma região pertencente à Odontologia. Sempre! Após me formar, em 1990, fui residente em um serviço de cirurgia bucomaxilofacial. Na época, minhas mentoras, Dra. Maria Helena Guerra e Dra. Leda Maria Guerra, disseram-me:

– Se você quer fazer cirurgia, é preciso dissecar cadáveres e saber as variações do nervo facial. Além disso, é preciso estar preparado para procedimentos de urgência e primeiros socorros, pois intercorrências cirúrgicas podem acontecer sem você esperar. É importante conhecer todo o metabolismo das drogas que são injetadas em um paciente. Aquilo que você aprendeu na faculdade não é suficiente. E, se quer começar bem na profissão, precisa saber e estudar muito a anatomia da face.

Quando me lembro daquelas recomendações de mais de 20 anos atrás, percebo uma analogia perfeita com os dias atuais. Sim, é verdade que o cirurgião-dentista estuda a face, mas com qual profundidade? Vamos ser sinceros: aquelas aulas de Anatomia que recebemos na graduação não nos prepararam para as demandas atuais. Além disso, os cursos de imersão em anatomia da face oferecidos hoje em dia também não têm a profundidade necessária. Precisamos de mais conteúdo! Precisamos ser mais exigentes com nós mesmos.

Alguns meses atrás, quando expliquei meu ponto de vista a um amigo, ele disse: “Scopin, você está sendo muito crítico. Você tem essa percepção porque não atua nessa área. Não é tão complexo assim”. Meu amigo estava errado. É complexo sim!

Ainda na década de 1990, logo após minha graduação, fiz um curso na USP, com o Dr. Bruno König, de Especialização em Anatomia Cirúrgica da Face, com monografia e um estudo aprofundado em Anatomia. Não é simples. Vamos lembrar que, entre as intercorrências possíveis, podemos destacar a cegueira temporária ou definitiva (categorias 1, 2 e 3). Por si só, esse risco já denota o tamanho da responsabilidade do profissional que atua na face.

Com minha experiência de quase 25 anos atuando nas áreas clínica, acadêmica e científica em Prótese Dentária e Implantodontia, posso afirmar: se a Odontologia quer atuar na região da face “com honra”, maestria, excelência e ética, precisamos criar um curso impecável. Com uma especialização de qualidade programática ímpar. Com escolas certificadas e professores treinados em áreas correlatas. Temos que fechar todas as lacunas de ensino para criar uma área rigorosamente organizada.

Eu quero que a face seja sim de atuação do cirurgião-dentista, como já é, senão não aceitaria estar no corpo editorial desta publicação e muito menos aceitaria assinar uma coluna. Para mim, qualquer profissional que exerça ou deseje atuar nessa “nova especialidade”, dever ser treinado em áreas como anatomia, emergências, fisiologia e farmacologia específica, entre outras direcionadas para Harmonização Orofacial.

Em minha opinião, estamos entre a glória (cruz) de fazer bem feito e o risco (espada) de fracassarmos. Essa é a nossa oportunidade de fazermos o cirurgião-dentista ser o profissional que realmente entende a face.

O futuro, se bem conduzido o presente, nos pertence. Que a glória esteja com você.

Oswaldo Scopin de Andrade

Mestre e doutor em Clínica Odontológica e Prótese Dental – Unicamp; Pós-Graduação em Prótese e Oclusão pela NYU College of Dentistry; Coordenador do curso de Especialização em Odontologia Estética – Centro Universitário Senac/SP.

A análise indispensável

Quando fui convidado para participar deste espaço editorial na revista FACE, lembrei-me do início da minha jornada como ortodontista, na década de 1980. Naquela época, quando íamos aos congressos de Ortodontia, a maioria das palestras e mesas clínicas tinha como foco principal a busca pela relação oclusal de classe I, idealizada por Angle, “o pai da Ortodontia”.

Nas palestras predominavam imagens de modelos e traçados cefalométricos, sendo a análise facial relegada ao “antes e depois” e com foco na região do lábio superior apenas. Atualmente, ainda há inúmeras posições controversas na Ortodontia em vários quesitos, como prescrições de braquetes, uso de diferentes tipos de ancoragem esquelética, arcos de ligas especiais, entre outras. No entanto, no meio de tanta celeuma e diferenças de opiniões, há apenas uma unanimidade: o uso da análise facial como ponto de partida e principal referência para a definição do diagnóstico e do plano de tratamento.

Hoje, a análise da face é soberana sobre todos os dados diagnósticos, sejam eles esqueléticos ou dentários. Posso dizer que vivi essa evolução dentro da minha especialidade, pois sempre fui um apaixonado por fotografia e tenho o hábito de documentar com fotografias meus casos em praticamente todas as consultas e, hoje, ao contrário do início de carreira, as fotos extrabucais são as mais trabalhadas e de maior valia.

Outro fato que contribuiu enormemente para análise da face através da fotografia foi o advento das imagens digitais, que são hoje acessíveis a todos. E há ainda inúmeros colegas que fazem ótimas fotografias usando apenas o celular.

Enfi m, a análise da face na Ortodontia, e principalmente na área da Odontologia restauradora e harmonização, evoluiu da região restrita ao lábio superior para toda a face, com análises em norma frontal e do sorriso, elevando consideravelmente o nível dos trabalhos e afunilando as especialidades para um tratamento multidisciplinar, que é o foco principal da revista FACE.

Messias Rodrigues

Especialista em Ortodontia – Unitau; Mestre em Radiologia pela Unicamp; Professor do curso de especialização de Ortodontia da Unitau; Idealizador da técnica Straight-Wire Simplificada; Autor do livro “Técnica SSW” editado em português, espanhol, inglês e mandarim.